Nos últimos 50 anos, China e Brasil têm construído uma parceria que vai além dos negócios, focando em desafios globais como a transição energética e a proteção do meio ambiente. Mas foi realmente a partir dos anos 2000 que essa relação ganhou uma nova dimensão, com acordos importantes e colaboração em áreas estratégicas como política, tecnologia e cultura.
A colaboração entre essas nações tem impulsionado iniciativas conjuntas no campo das energias renováveis, incluindo os biocombustíveis. Nesse contexto, pode-se citar o Plano de Ação Conjunta (PAC 2010-2014), que estabeleceu diretrizes para a cooperação bilateral em setores estratégicos, incluindo pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para biocombustíveis. Este plano facilitou o avanço em projetos conjuntos que visam melhorar a eficiência e ampliar o uso de combustíveis renováveis.
Os biocombustíveis emergem globalmente como uma alternativa promissora frente aos não renováveis. Etanol e biodiesel têm ganhado destaque por sua capacidade de substituir parcialmente os combustíveis fósseis e, ao longo de seu ciclo de vida, reduzir as emissões de carbono já que as emissões de gases de efeito estufa são a principal causa do aquecimento global.
Segundo a Agência Internacional de Energia, em 2021, os combustíveis fósseis foram responsáveis por mais de 85% do consumo de energia primária global. A energia hidrelétrica representou 2,5%; os biocombustíveis e resíduos contribuíram com apenas 9,5% da matriz energética mundial, enquanto as fontes renováveis como solar, eólica dentre outras somaram 2,7% da matriz energética mundial.
O Brasil sempre foi um pioneiro quando se trata de energias renováveis. Desde a década de 1970, com o lançamento do Proálcool, o país tem se destacado na promoção de biocombustíveis como etanol e biodiesel. Recentemente, programas como o RenovaBio reforçaram ainda mais esse compromisso, mostrando que o Brasil está determinado a liderar a transição para uma matriz energética mais sustentável.
Em 2022, as fontes renováveis constituíam 48,74% da matriz energética brasileira, refletindo um avanço considerável em soluções sustentáveis. A energia hidrelétrica, que é uma das principais fontes nessa categoria, correspondia a 29,89%, enquanto outras fontes renováveis somavam 18,85%. O petróleo, com 37,35%, continuava a desempenhar um papel dominante na composição energética do país. O gás natural, com 8,56%, também era uma fonte importante na produção de energia. Já o carvão e a energia nuclear contribuíam com 4,39% e 0,96%, respectivamente, indicando uma menor participação desses recursos na matriz energética.
Essas políticas refletem o compromisso do Brasil com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), particularmenteo objetivo que visa garantir o acesso universal a energia limpa e acessível e o objetivo que busca promover ações para combater a mudança climática e seus impactos. A implementação de políticas como as supracitadas, entretanto, não pode ser avaliada exclusivamente em termos quantitativos. É essencial considerar as questões sociais e ambientais associadas à produção de biocombustíveis no contexto de implementação de políticas públicas. O desmatamento, por exemplo, muitas vezes atrelado à expansão dos biocombustíveis, pode anular os benefícios ambientais esperados. Da mesma forma, é importante garantir que as comunidades locais se beneficiem econômica e socialmente dessas iniciativas para evitar potenciais conflitos.
A China, como uma potência econômica global, tem desempenhado um papel central na arena energética. Em 2022, o país moldava sua matriz energética com um olhar atento para o futuro e continua mantendo esse foco. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), o petróleo, com 17,67% do mix energético, é fundamental para a economia chinesa, embora o país busque diversificar suas fontes para reduzir a dependência e os riscos associados à volatilidade dos preços dessa fonte.
O carvão, com 55,47%, permanece como a principal fonte de energia, apesar dos investimentos da China em tecnologias renováveis para reduzir as emissões de carbono. O gás natural, que representa 8,49%, está emergindo como uma alternativa ao carvão, embora enfrente desafios de infraestrutura. As energias renováveis somam 16,02% do mix energético, enquanto a energia nuclear, com 2,35%, está se expandindo como parte da estratégia de baixo carbono, apesar das preocupações com segurança e gestão de resíduos. O petróleo corresponde a 17,67% da matriz energética.
Do outro lado do mundo, a China também está fazendo sua parte. Embora o carvão ainda domine a matriz energética chinesa, o país tem investido pesado em energias renováveis. Desde a implementação da Lei de Energia Renovável em 2006 até o mais recente Plano Quinquenal para o Desenvolvimento de Energias Renováveis, a China está trabalhando para reduzir sua dependência de fontes não renováveis. A elaboração do 14º Plano Quinquenal (2021-2025) destaca a importância da sustentabilidade, promovendo o desenvolvimento de fontes de energia renovável, com o objetivo de reduzir a pegada de carbono e impulsionar a transição para uma economia de baixo carbono.
A transição para uma economia de baixo carbono envolve mais do que a simples adoção de novas tecnologias; requer a atualização das políticas públicas para incluir todos os aspectos do desenvolvimento sustentável. Isso inclui a diversificação da matriz energética, o estímulo à pesquisa e inovação em energias renováveis, e a implementação de incentivos econômicos que favoreçam práticas sustentáveis, como a promoção de subsídios para tecnologias sustentáveis e o fortalecimento de regulamentações ambientais.
Além dos avanços tecnológicos e ambientais, a transição energética depende significativamente da cooperação internacional estratégica e em larga escala. No caso do Brasil e da China, a expansão do uso de biocombustíveis apresentou-se como um tema relevante com a meta de promover a troca de melhores práticas e o desenvolvimento de tecnologias inovadoras. O Plano de Ação Conjunta Brasil-China (PAC 2010-2014) e o Acordo de Cooperação em Energia Sustentável (2013) estabeleceram diretrizes claras para essa cooperação, facilitando a pesquisa e o desenvolvimento conjunto de biocombustíveis.
A parceria entre Brasil e China é ampla em pesquisa conjunta e intercâmbio de conhecimentos. Essa cooperação bilateral fortalece os laços diplomáticos e promove inovações essenciais para enfrentar os desafios globais relacionados às mudanças climáticas e à segurança energética. Nesse contexto, é crucial observar que, além das vantagens ambientais e econômicas, os biocombustíveis também podem contribuir para a segurança energética de um país. Reduzir a dependência de combustíveis fósseis importados fortalece a resiliência energética nacional, reduzindo a vulnerabilidade a flutuações nos preços globais de energia e a interrupções no fornecimento. Isso é particularmente relevante em um contexto de crescente volatilidade geopolítica e incerteza nos mercados energéticos internacionais.
É importante reconhecer que a transição energética enfrenta desafios significativos. A resistência de certos setores da indústria de combustíveis fósseis, a volatilidade dos preços das energias renováveis e as limitações tecnológicas ainda representam obstáculos. Superar esses desafios requer um compromisso contínuo com a pesquisa e desenvolvimento, além de políticas públicas consistentes que incentivem a adoção de tecnologias renováveis.
Os biocombustíveis representam uma peça fundamental na transição energética global rumo a um futuro mais sustentável. No entanto, para que sua contribuição seja efetiva e sustentável, é essencial expandir sua produção e uso, bem como adotar políticas públicas integradas que promovam o desenvolvimento socioeconômico e ambientalmente responsável.
A colaboração internacional desempenha um papel essencial nesse processo. Ao continuar investindo em biocombustíveis e outras fontes renováveis, o Brasil fortalece sua economia e segurança energética, ao mesmo tempo que faz uma contribuição significativa para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas em âmbito global. A China, como parceira estratégica, também tem investido pesadamente em tecnologias e energias renováveis. A relação entre estas duas nações, fortalecida por iniciativas como o Plano de Ação Conjunta e o Acordo de Cooperação em Energia Sustentável, amplifica esses esforços. Juntos, os dois países avançam em suas próprias metas de sustentabilidade e colaboram paraenfrentar desafios climáticos globais, promovendo uma transição energética mais eficaz.
Neste ano, ao celebrar o 50º aniversário das relações diplomáticas entre China e Brasil, é essencial destacar o impacto significativo que estas duas nações têm exercido no setor energético global. Ao longo destas cinco décadas, China e Brasil consolidaram seus laços políticos e econômicos, além de avançarem juntos na busca por soluções sustentáveis. A colaboração entre essas duas nações gigantes tem sido um farol de progresso e uma fonte de inspiração para o mundo inteiro. Este marco oferece uma oportunidade para relembrar as conquistas passadas e impulsionar os dois países rumo a uma aliança duradoura, fortalecendo ainda mais a amizade e a parceria que os unem rumo a um futuro sustentável e promissor.
Silvio A.B. Vieira de Melo, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Energia e Ambiente (PGEnAm) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Andréa Azevedo, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Energia e Ambiente (PGEnAm) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Maria Cândida Mousinho, Professora do Instituto Federal da Bahia (IFBA) e dos Programas de Pós-Graduação em Energia e Ambiente (PGEnAm/UFBA) e em Difusão do Conhecimento.
Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.
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