O que significa a Nova Era chinesa para o mundo?

Quem acompanha atentamente o modo como o governo chinês lida com as transformações internas e os desafios externos tem já a percepção de que, na China, o discurso do governo não é algo “para inglês ver”, ele costuma ser traduzido em ação.

Reeleito Secretário-Geral do Partido Comunista da China no 19o Congresso Nacional do Partido, em outubro do ano passado, o presidente Xi Jinping anunciou que o socialismo com características chinesas entra em uma “Nova Era”. Esta expressão inaugurou o segundo mandato de Xi no comando do Partido e é o desdobramento do “sonho chinês” – termo que mobiliza a nação chinesa na busca das metas centenárias e que esteve na origem da gestão de Xi em 2012.

Mas o que significa esta Nova Era do socialismo chinês?

Para Xi, em primeiro lugar, significa que “a nação chinesa, com uma postura totalmente nova, agora é alta e firme no Oriente”. Ficaram para trás as humilhações a que foram submetidos os chineses no século XIX em decorrência das inúmeras invasões estrangeiras e das Guerras do Ópio, bem como as lutas internas que tanto marcaram a primeira metade do século XX e que resultaram na criação da República Popular da China (RPCh). A China do século XXI, em consequência do bem-sucedido processo de reforma e abertura iniciado no final dos anos 70, recuperou e consolidou a sua soberania, e tornou-se a maior potência da Ásia. A China “levantou-se, cresceu e tornou-se forte; e agora abraça as brilhantes perspectivas de rejuvenescimento”, disse Xi, aludindo ao “sonho chinês”. Mas a Nova Era não é só para a China, é para o mundo.

Xi Jinping “vê a China se aproximando do centro do palco e fazendo maiores contribuições para a humanidade”. É fato. Atualmente, o PIB chinês é de US$ 11,2 trilhões e o país contribui com mais de 30% do crescimento econômico global. O prognóstico é que a China se torne a primeira economia mundial por volta de 2025. A China está, portanto, ciente de que assumirá o pódio da economia mundial, mas assume o compromisso de exercer esta posição com atenção aos outros povos do mundo.

E é aqui que gostaria de chamar a atenção do leitor. Para ajudar a “resolver os problemas que enfrenta a humanidade”, Xi Jinping oferece a “sabedoria chinesa” e uma “abordagem chinesa”. Estas são expressões-chave para termos acesso a dimensões fundamentais do “socialismo com características chinesas”. Afinal, muito do que comumente se atribui ao modelo comunista é, na China, uma característica do seu povo que remonta a décadas ou séculos atrás.

Assim, para compreender a China não é suficiente estudar o seu modelo de governança, é preciso entender a dimensão cultural que está na raiz da sociedade. A sabedoria chinesa tem séculos de acúmulo intelectual e prática social, e o modo como os chineses lidam com os problemas e buscam soluções – isto é, a abordagem chinesa para os desafios da vida – nos ajudará a entender, por exemplo, como a diplomacia chinesa atuará e influenciará as relações internacionais nesta Nova Era.

Para um Ocidente capitalista que tem aversão a qualquer coisa que leve o carimbo de “socialista”, o “socialismo com características chinesas” precisa ser observado de modo mais dilatado e menos apaixonado.

E por que devemos observar e procurar entender o socialismo chinês?

A ONG Oxfam (Comitê de Oxford de Combate à Fome) publicou relatório onde revela que apenas oito pessoas detêm riqueza equivalente à de metade da população mais pobre do mundo, ou seja, 8 pessoas acumulam uma riqueza igual à de 3,6 bilhões de indivíduos. Seis daqueles indivíduos mais ricos do mundo são dos Estados Unidos, um é da Espanha e outro é do México. No Brasil, seis brasileiros concentram riqueza equivalente à da metade da população brasileira. Estes dados revelam que o modelo econômico capitalista financeiro se divorciou completamente dos ideais de soberania, de povo, de democracia e de justiça.

A desigualdade social também é um problema na China atual. O Presidente Xi Jinping está ciente dos riscos desta desigualdade para o país. Não é por acaso que ele mesmo afirma que “a principal contradição que enfrenta a sociedade chinesa (…) é a contradição entre o desenvolvimento desequilibrado e inadequado e as necessidades cada vez maiores do povo para uma vida melhor”. O socialismo com características chinesas será posto à prova aí. Diferentemente do sonho americano orientado pelo individualismo exacerbado, o sonho chinês é orientado, sobretudo, pelo interesse coletivo. Se a China conseguir provar que seu modelo de governança é capaz de oferecer aos cidadãos o bem-estar econômico e social que o capitalismo não está mais conseguindo prover, aí o mundo se convencerá de que entrou na Nova Era chinesa.



Por Evandro Menezes de Carvalho
Professor de Direito Internacional da Escola de Direito da FGV-Rio e da Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi professor visitante do Center for Brics Studies da Universidade Fudan, Xangai (2014-2015), Visiting Senior Scholar na Shanghai University of Finance and Economics (2013-2014) e é Professor da Universidade de Shanghai no âmbito do National High-end Foreign Expert Program.

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