Em honra ao Imperador Amarelo

Primeiro a unificar várias tribos guerreiras, o Imperador Amarelo é celebrado como mito fundador

Oferecer sacrifícios faz parte dos rituais chineses de oração aos deuses e ancestrais, desde tempos imemoriais. Os antigos acreditavam que a alma podia existir sem o corpo, e a realização de sacrifícios deriva desta crença.

A intenção subjacente a esse ritual cultural é mostrar respeito pelos que partiram, como faríamos se estivessem ainda vivos. Certas cerimônias sacrificiais destinadas a cultuar a memória dos que partiram são realizadas em dias especiais. São um meio de expressar o respeito aos ancestrais, e uma confirmação da existência e da continuidade de uma família, de um grupo étnico e de uma nação. Como o legendário Imperador Amarelo fez inestimáveis contribuições à nação chinesa, seus descendentes prestam-lhe tributo por meio de rituais majestosos.

Chefe tribal há mais de cinco mil anos, o Imperador Amarelo conquistou várias tribos guerreiras e se tornou chefe de uma confederação tribal. É, portanto, visto como o primeiro ancestral da civilização chinesa.

Diz a lenda que o Imperador Amarelo (Huang) foi capaz de falar logo após o nascimento, e que aos 15 anos de idade não havia nada que ele não entendesse. Aos 20 anos, herdou o título de chefe da tribo Youxiong, que mais tarde se fortaleceu e expandiu seus territórios. Naquela época, as guerras tribais haviam instalado o caos nas Planícies Centrais. O chefe Youxiong liderou sua tribo e levou-a a conquistar outras tribos menores e mais fracas, e com isso unificou a bacia do Rio Amarelo. Logo depois, uniu-se ao Imperador Yan para derrotar o guerreiro mitológico Chiyou, e estabeleceu a estrutura básica da cultura chinesa. O povo chinês desde então considera-se descendente dos Imperadores Yan e Huang.

Segundo os registros históricos, após a morte do Imperador Yan, o Imperador Amarelo governou por um tempo considerável. Foi então, segundo a lenda, que o povo chinês começou a escrever caracteres, concebeu o calendário, inventou instrumentos musicais e desenvolveu a ciência da medicina, a sericicultura (criação do bicho-da-seda) e a plantação de cereais. Considera-se que o reinado do Imperador Amarelo estabeleceu a direção de desenvolvimento da cultura chinesa baseada na agricultura. Seus feitos foram louvados como aquilo que constitui o vínculo espiritual vital que une a nação chinesa.

Após a morte do Imperador Amarelo, as pessoas construíram templos e altares em sua homenagem e criaram rituais de sacrifício complexos e ornamentados, que perduraram por milhares de anos. Seus principais conceitos, como a combinação de forças civis e militares, fomentar a virtude punindo o mal, estabelecer o primado da lei e o governo por meio da não ação, contribuíram para a grande unificação da China depois de anos de guerras. Além de ser encarado como um ancestral de sangue, o Imperador Amarelo também personificou o espírito da nação chinesa, como um estandarte liderando a ascensão do povo do caos da guerra para a unificação social, a harmonia e a estabilidade.

Cerimônias públicas

Segundo registros documentais, são realizados dois tipos de rituais sacrificiais em honra ao Imperador Amarelo. Um deles é celebrado em templos na zona rural do país, o outro em seu mausoléu. Ambos têm origens históricas que refletem a identificação das pessoas com seu primeiro ancestral e o culto prestado em sua homenagem. Com o decorrer da história, ele se tornou o evento comemorativo mais cerimonioso e sagrado da China.

 

O ritual de culto no mausoléu do Imperador Amarelo é realizado há muito tempo. Acredita-se que o Imperador Amarelo foi enterrado no monte Qiaoshan, um quilômetro ao norte do condado de Huangling (que significa literalmente “mausoléu do Imperador Amarelo”), na Província de Shaanxi. Em 110 a.C., o imperador Wudi da dinastia Han (202 a.C.- 220 d.C.) prestou ritual de obediência ao Imperador Amarelo ali, o primeiro registrado em documento histórico. Durante a dinastia Tang (618-907), um templo dedicado ao Imperador Amarelo foi erguido no local. Em seguida, a corte imperial da dinastia Song (960-1279) passou a realizar cerimônias sacrificiais no templo do mausoléu a cada três anos.

Em 1374, Zhu Yuanzhang, fundador e primeiro imperador da dinastia Ming (1368-1644), promulgou um decreto imperial determinando a construção de uma estátua do Imperador Amarelo no grande saguão do mausoléu. Ao longo da dinastia, o mausoléu passou a ser visto como um santuário próprio para os imperadores realizarem sacrifícios rituais ao seu ancestral. Detalhes sobre discursos elegíacos, datas sacrificiais, oferendas e autoridades participantes também foram registrados ali em placas de pedra. Dois oficiais militares eram designados para proteger o local sagrado. Os imperadores escreviam pessoalmente orações funerais, como preparativo para as grandes cerimônias sacrificiais realizadas a cada três anos no monte Qiaoshan.

Os imperadores da dinastia Qing (1644-1911) cumpriam os rituais de rotina no templo do mausoléu a cada três anos. Além disso, também presidiam pessoalmente cerimônias sacrificiais no Templo Imperial dos Imperadores em Pequim. Quando a República da China foi fundada, em 1912, o doutor Sun Yat-sen, conhecido como “pai da república”, escreveu uma oração funeral e enviou altos oficiais para oferecerem sacrifícios no monte Qiaoshan, refletindo assim um forte sentido de confiança e orgulho nacionais.

Estatísticas mostram que os imperadores da dinastia Ming enviaram catorze vezes oficiais para a realização de rituais sacrificiais no mausoléu. Na dinastia Qing, esses rituais foram realizados trinta vezes, e 25 vezes no período da República da China. Em 1937, o partido Kuomintang no poder, oposto ao Partido Comunista da China (PCCh), realizou uma cerimônia conjunta no mausoléu do Imperador Amarelo, para a qual Mao Tsé-tung escreveu o discurso elegíaco do PCCh. Ao longo dos últimos 2 mil anos, cerimônias sacrificiais no mausoléu, tanto oficiais quanto civis, tornaram-se cada vez mais influentes.

Grande importância também tem sido dada às reformas. Desde que foi construído na dinastia Han, o mausoléu já foi reconstruído 21 vezes, o que inclui uma nova localização na dinastia Song.

Após várias suspensões em meados do século XX, em 1980 a cerimônia pública de celebração foi retomada. Líderes do governo têm comparecido todos os anos ao ritual sacrificial público desde 1994. Em 2006, a cerimônia pública de celebração foi incluída no grupo das heranças culturais intangíveis do país.

Xinzheng, a cidade natal

 

O aniversário do Imperador Amarelo é celebrado no terceiro dia do terceiro mês lunar. Neste dia, são tradicionais os passeios de barco. Os antigos começaram a pagar tributo ao Imperador Amarelo nesta data durante o século VIII a.C.

O Imperador Amarelo nasceu no que é hoje a cidade de Xinzheng, província de Henan, segundo pesquisa histórica. Documentos comprovam que essa cerimônia sacrificial, realizada até hoje, tornou-se uma tradição durante a dinastia Tang.

O governo da cidade de Xinzheng vem seguindo essa tradição de grandes cerimônias de culto no dia de aniversário do Imperador Amarelo desde a década de 1990. Todo ano, milhares de chineses do país e do exterior vão ali reafirmar suas raízes e venerar seu ancestral.

A cerimônia compreende nove partes, a saber: salva de 21 tiros de canhão, respeitosa oferenda de um buquê de flores, queima de incenso, leitura de um discurso elegíaco, canto de uma canção comovente, danças acompanhadas por música, bênçãos ao país e oferta de orações pela unidade entre a natureza e a humanidade.

Esta grande cerimônia leva adiante a excelente cultura tradicional do povo chinês e exalta os méritos e virtudes de seu ancestral. Também destaca a afirmação que as pessoas fazem de suas raízes e a estima que devotam a seus ancestrais, simbolizando assim a continuidade da linhagem de sangue.

Cerimônia no condado de Jinyun

Localizado na cidade de Lishui, província de Zhejiang, o condado de Jinyun tem sido o local do Salão Memorial do Imperador Amarelo desde a dinastia Tang.  A lenda diz que aqui ele se tornou um imortal.

Jinyun era o nome de um antigo clã, originalmente parte da tribo do imperador Yan. Como o clã vivia perto da tribo Youxiong do Imperador Amarelo, eles partilhavam um estilo de vida nômade similar e travaram estreito contato. Os Jinyun mais tarde se fundiram à tribo Youxiong. Depois que o Imperador Amarelo unificou as Planícies Centrais, o clã ganhou territórios na atual Zhejiang, no leste da China. Ao mesmo tempo, a cultura do Imperador Amarelo espalhou-se e floresceu no norte da China.

Após longo tempo de desenvolvimento, pessoas do clã Jinyun integraram-se aos habitantes locais, mas esqueceram suas raízes. No século IV, elas construíram o Saguão Jinyun em homenagem ao Imperador Amarelo.

O século IV foi um período especial da história chinesa, em que as pessoas sofreram com as incessantes guerras, mas isso também abriu caminho para um intenso desenvolvimento religioso. Por outro lado, muitos membros do clã Han mudaram-se para o sul. A fundação do saguão memorial Jinyun proporcionou-lhes um consolo espiritual, e tornou-se um local sagrado onde as pessoas que haviam se reinstalado no sul da China podiam reafirmar suas raízes e adorar o Imperador Amarelo.

Em 748, o imperador Xuanzong da dinastia Tang emitiu um decreto imperial mudando o nome de “monte Jinyun” para “monte Xiandu” e “Saguão Jinyun” para “Templo Memorial do Imperador Amarelo”. Isso deu origem aos dois padrões cerimoniais na China, um no mausoléu do norte, outro no templo memorial do sul.

A cerimônia sacrificial no condado de Jinyun foi gradualmente ganhando forma em termos de porte e ritual. O Dia da Limpeza do Túmulo é designado como uma festa folclórica de adoração, e o Duplo Nono Festival como um dia para rituais sacrificiais públicos. Combinando os costumes folclóricos tradicionais, essas cerimônias herdaram e levam adiante a cultura chinesa tradicional e reforçam a coesão nacional.

Em 2011, a cerimônia sacrificial no condado de Jinyun foi também incluída na lista das heranças culturais intangíveis do país.

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