Por Evandro Menezes de Carvalho*
No dia 10 de setembro de 2024, ocorreu a Primeira Mesa Redonda China-Estados Latino-Americanos e Caribenhos sobre Direitos Humanos, na cidade do Rio de Janeiro. O evento teve como anfitrião a Sociedade Chinesa de Estudos de Direitos Humanos (CSHRS, na sigla em inglês), em colaboração com a Universidade Renmin da China (RUC) e a Universidade Federal Fluminense (UFF). A organização ficou a cargo do Instituto Chongyang de Estudos Financeiros da RUC e da Faculdade de Direito da UFF. Estiveram presentes mais de 120 participantes dentre autoridades, especialistas e representantes de organizações sociais, think tanks e mídia. Esta conferência é um marco histórico no ano em que se celebra os 10 anos do Fórum China-CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e os 50 anos de relações diplomáticas entre Brasil e China.
À primeira vista, quando falamos em direitos humanos, muitos de nós pensamos em liberdades tais como a de expressão, a de reunião e a de religião. Esses direitos são inquestionavelmente parte do rol dos direitos humanos. Mas eles não subsistem onde impera a violência e a pobreza em suas mais diversas formas. Aqueles direitos dependem de algo muito maior, portanto: dependem da paz duradoura e do desenvolvimento pleno e sustentável para todos. Paz não é só ausência de guerra; ela também se manifesta quando as pessoas estão livres do medo da violência e da discriminação. Sem paz, não há direitos humanos; sem desenvolvimento, tampouco haverá. Esta é a ótica chinesa sobre o assunto. Como disse Xi Jinping, “a subsistência é a base de todos os direitos humanos. Viver uma vida feliz é o direito humano supremo”.¹ Quando as pessoas estão livres do medo e da pobreza, somente então a sociedade pode florescer.
Desde esta perspectiva, a República Popular da China tem muita legitimidade para compartilhar as suas experiências no âmbito dos direitos humanos. O país retirou 800 milhões de chineses da extrema pobreza nos últimos 40 anos. Além disso, garante à sua população o amplo acesso à educação e à saúde de qualidade. Quem já visitou ou morou na China sabe muito bem que isto é um fato facilmente constatável no cotidiano. A governança do país é orientada por uma visão integrada destes direitos implementados à medida que se incrementa a infraestrutura do país. A China é um caso de sucesso que precisa ser, senão copiado, ao menos estudado.
Mas há obstáculos para levar adiante este diálogo entre a China e os países latino-americanos e caribenhos na promoção dos direitos humanos. Um deles é a disseminação da mentalidade de Guerra Fria patrocinada por potências ocidentais com o intuito de excluir a China deste debate. Mas qual governo do Ocidente que se diz democrático estaria em condições de ser porta-voz dos direitos humanos quando, em seu território, há desigualdades sociais e criminalidade crescentes? Outro obstáculo é o uso dos direitos humanos como escudo político para justificar intervenções econômicas, políticas ou armadas em outros países. Aqueles governos que apoiam conflitos armados ou bloqueiam todo tipo de resolução no Conselho de Segurança que proponha soluções para o fim da agressão contra o povo palestino ou o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia não podem se apresentar como defensores dos direitos humanos. O tempo de aceitarmos passivamente a hipocrisia ocidental acabou. Mas o tempo de convidar a todos para um diálogo sincero sobre os direitos humanos jamais terminará. É preciso romper com o pretenso monopólio dos países ocidentais sobre a agenda dos direitos humanos. Esta é uma atitude essencial para garantir que essa causa seja verdadeiramente global, inclusiva e respeitosa da diversidade cultural.
A cooperação sino-latino-americana e caribenha oferece a possibilidade de reforçar o caminho dos direitos humanos de forma a ampliar o diálogo, colocando a paz como prioridade em toda e qualquer situação, e o desenvolvimento socioeconômico como dimensão a partir da qual devemos nos unir para construir ações conjuntas. Os direitos humanos inspiram o nosso compromisso com um diálogo que nos une, e não com um que nos separe. Essa pluralidade de vozes é crucial para que os direitos humanos sejam efetivamente promovidos e protegidos de maneira global, adaptada às realidades e necessidades de cada sociedade. Em um mundo cada vez mais interconectado, o respeito aos direitos humanos associado ao bem-estar do povo de um país – não importando quão geograficamente distante esteja ou o seu tamanho populacional e territorial – afeta a todos nós.
¹ Xi Jinping: A Governança da China, vol. IV, Beijing, Edições em Línguas Estrangeiras, 2023, p.71.
* Editor-Chefe da China Hoje. Professor da UFF e FGV. Pesquisador Sênior do Institute for Global Cooperation and Understanding (iGCU), da Universidade de Pequim.
Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.
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