O futuro da relação sino-brasileira na diplomacia civil e na tecnologia

A relação Brasil-China sofrerá retrocesso ou continuará progredindo com o governo Bolsonaro? Esta foi a pergunta que pairava no ar nos primeiros meses do governo brasileiro diante da retórica anticomunista assumida pelo Presidente Bolsonaro durante a sua campanha presidencial em 2018 e da sua deliberada preferência por um alinhamento com os EUA.

Passados os primeiros cinco meses deste ano de 2019, a relação sino-brasileira segue inabalável no plano do comércio bilateral. Segundo dados do Ministério da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o saldo da balança comercial dá um superávit para o Brasil de US$9.616,89 bilhões. A China ocupa o primeiro lugar tanto no ranking das importações como no das exportações. Não à toa, o economista Jim O’Neill, o criador do acrônimo “BRIC”, em entrevista recente concedida para a BBC News Brasil, respondeu negativamente à pergunta sobre se seria “uma estratégia inteligente a do Brasil de optar por um alinhamento com os Estados Unidos em vez de estreitar as relações com a China”. Para ele: “sob o aspecto econômico, se os países realmente tiverem que optar, muitos deles, e acho que o Brasil também, seriam loucos se não escolhessem a China”. Eis que um economista britânico diz o que muitos economistas brasileiros não têm a coragem de dizer publicamente apesar dos números. É porque nem tudo é só economia, há também a política.

Felizmente, a ideologização da política brasileira no plano interno não está reverberando no plano externo. E neste sentido, a ida do Vice-Presidente do Brasil, Hamilton Mourão, à China foi um sinal positivo. O evento mais importante desta viagem foi a retomada das reuniões da Comissão Sino-brasileira de Alto-Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN) que havia sido criada em 2004 e estava inerte desde o impeachment de Dilma Rousseff. A Ata da reunião da COSBAN, de 23 de maio de 2019, tem um teor mais diplomático do que prático. Porém, abre caminho para iniciativas mais concretas ao concordar “em iniciar discussões para aprimorar a estrutura da COSBAN e revisar o Plano Decenal de Cooperação (2012-2021), a fim de preparar um novo documento para orientar as relações bilaterais no período entre 2022 e 2031” (parágrafo 16 da Ata). Para a década de 2030, a China já trabalha com a meta de se tornar uma sociedade moderadamente próspera. Há dados econômicos que balizam o governo chinês para este objetivo. E quanto a nós, no Brasil?

A China pode ser uma importante aliada para o nosso desenvolvimento. E a possibilidade de desenvolver inúmeras parcerias com os chineses na área de tecnologia e inovação é uma oportunidade inadiável. E devia ser a nossa prioridade. No centro deste debate está a chinesa Huawei que o Presidente dos EUA, Donald Trump, acusa, sem provas, de que a líder mundial da tecnologia 5G da telefonia móvel estaria fazendo espionagem. Um dia antes da reunião da COSBAN, o jornal Valor publicou matéria afirmando que “a Oi e a Claro [duas das maiores operadoras de telefonia do Brasil] sustentaram, de forma enfática, que o Brasil fique à revelia da disputa entre as duas superpotências e não aplique sanções à chinesa Huawei”. O que está em questão aqui são os pesados investimentos já feitos por estas empresas brasileiras com a tecnologia da Huawei que seria melhor e mais barata. É muito fácil para os EUA, todas as vezes que perder posições no mercado por uma empresa estrangeira, alegar razões de segurança e querer impor que outras nações soberanas deixem de fazer negócios com tal empresa. No futebol isto tem um nome: tapetão – expressão que se refere a uma situação em que o time perdedor em campo quer ganhar o jogo na Justiça. Mas no caso, aqui, seria por meio do uso do poder econômico.

“Flexibilidade”. Esta foi a palavra usada por Mourão para descrever a atitude do Brasil diante da disputa tecnológica e comercial entre EUA e China. É prudente, mas é insuficiente. O Brasil precisa colocar sobre a mesa uma estratégia de rápido desenvolvimento tecnológico com quem quiser compartilhar com ele tecnologia. Os EUA têm um histórico de completa restrição ao acesso de sua tecnologia. Abracemos, então, as oportunidades que podem vir de uma cooperação com a China neste setor.

A agenda comercial no plano bilateral é a espinha dorsal da relação. Mas restringir-se a ela é muito pouco. É preciso avançar no conceito desta relação. E o trabalho a ser conduzido pela COSBAN pode ser fundamental para isto. E aqui vale chamar a atenção da COSBAN para um fato: se a relação bilateral passou por um teste nestes primeiros meses de governo Bolsonaro, deve-se não só ao realismo que se impôs, mas também ao trabalho da diplomacia. Porém, neste caso, refiro-me à diplomacia civil que atuou nos bastidores em defesa da continuidade e aprofundamento da relação com a China. Este talvez seja o fato mais notório que foi ignorado pela grande mídia. Enquanto diplomatas brasileiros agiam “by the book”, os empresários brasileiros, traders, empreendedores e acadêmicos tiveram uma atitude mais pró-ativa. Este um sinal de que a relação Brasil-China avançou e tem raízes fortes no solo fértil da relação bilateral conectando as pessoas, e não só os governos.

Não é preciso escolher entre a China e os EUA. E neste ano de 2019, quando se comemora os 45 anos das relações diplomáticas sino-brasileiras, dar uma atenção especial à China é um gesto de boa diplomacia. E uma boa diplomacia é aquela que se sobrepõe ao uso da força como instrumento de negociação.

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