Por Alexandre Ramos Coelho*
Nos últimos meses, o Brasil deu passos importantes para estreitar ainda mais suas relações comerciais e financeiras com a China. A assinatura de um memorando de entendimentos entre o Banco Central do Brasil e o Banco do Povo da China para o estabelecimento de acordos de compensação e liquidação de transações na moeda chinesa e a adesão do Banco Bocom BBM ao China Interbank Payment System (CIPS) são marcos decisivos para ampliar o comércio e as operações financeiras do país com a China.
Além disso, a sucursal brasileira do Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) agora atua como banco de compensação e liquidação de operações realizadas em yuans no Brasil, o que traz segurança, eficiência e redução de custos de transação nas operações comerciais entre as empresas envolvidas. Embora haja obstáculos operacionais a serem superados, esses acordos também favorecem a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional. A possibilidade de realizar operações cambiais diretamente em yuans traz benefícios importantes para o país, pois permite que os empresários chineses possam dar preferência para os exportadores brasileiros que optarem pelo uso da moeda chinesa. Isso pode aumentar significativamente a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional, notadamente em comparação com os países do Sudeste Asiático e do Oriente Médio que usam o yuan nas suas operações comerciais com a China.
Não podemos também ignorar os números auspicioso que corroboram essa análise. Nesse sentido, um importan- te estudo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) realizado em 2021 concluiu que acordos similares aos que foram celebrados em 2023 poderão levar à redução de US$ 1,5 bilhão nos custos das transações comerciais entre Brasil e China em dez anos.
Além do mais, esses acordos podem ser a gênese de outros memorandos e contratos que viabilizarão o desenvolvimento gradual de um mercado financeiro com base no renminbi, tornando-se uma opção aos atuais mercados de moedas, de dívidas, de ações e de derivativos lastreados em reais, dólares e euros. O Brasil agora se junta a um grupo que hoje congrega mais de vinte países que pertencem à rede de centro offshore que ofertam produtos financeiros denominados em yuans (RMB Offshore Centers), localizados nos Estados Unidos, no Reino Unido, Canadá, Argentina, Chile, França, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, entre outros.
Não se trata de atos isolados por parte de Pequim. A China está criando instituições econômicas com atuação internacional em áreas como comércio, sistema financeiro internacional, liquidação de operações de compra e venda de moedas classificação de riscos, assim como faz em outras áreas das Relações Internacionais, como na segurança internacional, constituindo a Organização para a Cooperação de Shanghai em contraposição à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Elas são paralelas ou alternativas àquelas que surgiram na conferência de Bretton Woods de 1944, que estão vinculadas aos interesses de países desenvolvidos ou àqueles estranhos aos interesses políticos e econômicos de Pequim. Exemplos não faltam. No campo financeiro, podemos citar a criação, por parte da China, do Banco Asiático de Infraestrutura e Investimentos (AIIB) para atuar como banco de desenvolvimento de forma similar ao Banco Mundial e a constituição do Arranjo de Reservas Contingenciais (CRA) dos Brics – para também prestar serviços similares aos do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Da mesma forma, para diminuir a vulnerabilidade ao dólar, a China constituiu a CIPS, paralela à Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT) para que as transações financeiras internacionais, que envolvam a moeda chinesa, não sejam abruptamente congeladas por pressões políticas e sanções econômicas dos Estados Unidos, como recentemente ocorreram com o Irã e com a Rússia.
São todos exemplos de um verdadeiro by-pass praticado pela China dentro do sistema financeiro internacional em relação às instituições ocidentais. Pequim age de forma gradual, gerando um sistema financeiro alternativo no mundo sem confrontar diretamente os Estados Unidos ou contestar o uso do dólar, ou ainda causar uma ruptura ao sistema. Assim avança a China dentro do mercado financeiro internacional, ao qual exportadores, bancos e investidores de países desenvolvidos aderem em busca de novas oportunidades de negócios e de desenvolvimento econômico.
Portanto, embora não possamos deixar de reconhecer que o Brasil já deveria estar inserido nesse movimento mundial, estamos finalmente dando passos importantes nessa direção. O futuro é promissor para as relações comerciais e financeiras entre Brasil e China, e é fundamental que o Brasil esteja preparado para aproveitar essa oportunidade.
*Alexandre R. Coelho é pesquisador na Fundação Getulio Vargas e na think tank Observa China, tendo atuado como Pesquisador Visitante na Universidade de Toronto. Secretário do Comitê de Estudos Asiáticos e do Pacífico da International Political Science Association – IPSA. Doutoran- do em Relações Internacionais na Universidade de São Paulo. Mestre em Direito e Desenvolvimento Econômico pela Escola de Direito da FGV SP.
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