Este ano, a 10ª Cúpula do Brics será em Johanesburgo, na África do Sul, e, no ano que vem, no Brasil. O “B” e o “S” estão nas extremidades do acrônimo, assumindo função de limite territorial da palavra. No centro “RIC”. Três potências nucleares situadas no mesmo campo geopolítico e, portanto, com muitos pontos de contato e de fricção. No ano passado, em Nova Delhi, os ministros das relações exteriores da Rússia, Índia e China reuniram-se no que foi chamado de Fórum RIC. Na pauta, dentre outros assuntos, o terrorismo, as mudanças no cenário político no Oriente Médio e Norte da África e a liberdade de navegação.
Os países RIC encontraram-se novamente em junho deste ano, mas por ocasião da 18ª Cúpula da Organização para Cooperação de Xangai (OCS) que se realizou na cidade de Qingdao, na China. A OCS, fundada em junho de 2001, tem como objetivo fortalecer a segurança e a estabilidade regional por meio do combate ao terrorismo, ao separatismo e ao extremismo no território de seus respectivos países-membros, quais sejam: além da Rússia, índia e China, o Cazaquistão, Quirguistão, Paquistão, Tajiquistão e Uzbequistão. Estes oito países compreendem quase metade da população mundial e 20% do PIB global. Os países RIC também integram o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII). Fundado em 2016, o BAII conta com 86 países-membros. O Brasil e a África do Sul são considerados “potenciais membros fundadores” – uma concessão diplomática especial outorgada aos dois, caso venham a aderir ao acordo que cria o BAII. Boa parte do investimento em infraestrutura oriundo desde banco tem como destino projetos relacionados à Iniciativa Cinturão e Rota – um ousado projeto de integração econômica regional proposto pelo governo chinês, que visa promover a conectividade e a cooperação entre os países da Eurásia.
Há um arranjo estrutural bem planejado. A OCS dedica-se à defesa e à segurança para promover a estabilidade regional a longo prazo e, assim, permitir a execução dos projetos de infraestrutura, financiados pelo BAII, para a promoção da integração econômica da região Euroasiática por meio da Iniciativa Cinturão e Rota. O primeiro cuida da segurança, o segundo fornece os recursos financeiros e o terceiro dedica-se a integrar econômica e comercialmente a região, lançando as bases para um desenvolvimento duradouro. Este arranjo estrutural está no cerne de dois conceitos da diplomacia chinesa. O primeiro deles é o da “construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”. Anunciado pelo presidente Xi Jinping, este conceito está em linha com o chamado “Espírito de Xangai”, tido como o valor central da OCS, e que consiste na confiança mútua, no benefício mútuo, no respeito à igualdade, na consulta, no respeito pela diversidade das civilizações e busca do desenvolvimento comum. Para além de mera retórica diplomática. É aí que entra o segundo conceito da diplomacia chinesa: o de “construção de um novo tipo de relações internacionais”. E, quanto a isto, aquele arranjo estrutural é parte importante.
O léxico diplomático que moldou o sistema internacional do século XX recebe, neste século XXI, novas terminologias e práticas de um Oriente mais atuante. A China é o país que tem assumido um protagonismo na elaboração deste novo dicionário e nova prática das relações internacionais. O país tem se empenhado em desenhar conceitos e promover uma rede de organismos internacionais, fundos, plataformas e fóruns multilaterais que parecem apontar para a emergência de uma nova gramática para a diplomacia mundial e, consequentemente, uma nova forma de organização da sociedade internacional no futuro.
O “B” e o “S” do Brics não podem ignorar esses fatos. Desse ponto de vista, Brasil e África do Sul poderiam se inserir de modo mais ativo nesta grande rede de iniciativas asiáticas. Ambos os países encontram no Brics a fonte de legitimidade desta pretensão de ter uma diplomacia mais presente nestes novos espaços formais e informais de cooperação na Ásia. Agindo assim, Brasil e África do Sul ampliariam suas capacidades diplomáticas e afinidades com os países asiáticos, aprendendo mais rapidamente a atuar em um mundo onde países e organizações asiáticas poderão definir uma nova prática e linguagens diplomáticas para as próximas décadas. É uma questão de escolha que envolve avaliação de custos e benefícios, certamente. Mas é também uma decisão sobre o futuro. O “B” e o “S” ficarão à margem do acrônimo Brics ou serão membros ativos na definição do horizonte de possibilidades que se abre para eles próprios, para o Brics e para o mundo?
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