Os delicados guarda-chuvas de papel oleado chineses

As tradicionais sombrinhas carregam tradição, sabedoria e são uma benção para uma vida feliz

Sozinho, segurando um guarda-chuva de papel oleado / passeio por uma longa e solitária alameda debaixo da chuva / Esperando encontrar uma garota como um buquê de lilases / consumido de ansiedade e ressentimento

Uma Alameda na Chuva,

poema de Dai Wangshu, famoso poeta do século XX

Desde antes da publicação desse poema, o guarda-chuva de papel oleado, os lilases e a alameda na chuva já eram símbolos de áreas ao sul do rio Yang-Tsé marcadas por tempo nublado e chuvoso. O guarda-chuva de papel oleado (ou sombrinha, como os brasileiros costumam chamá-lo) tem uma história de mais de mil anos da China e é um acessório à prova d’água para uso diário. Sua superfície é feita de papel revestido de óleo de tungue, o que o torna impermeável.

Na década de 1880, a empresa Fox Umbrellas introduziu a estrutura de aço nos guarda-chuvas, tornando-os mais práticos e simples de produzir. Desde então, os guarda-chuvas om hastes de aço difundiram-se na China, e aos poucos substituíram o guarda-chuva de papel oleado, pois eram mais fáceis de carregar e tinham o preço bem menor. O guarda-chuva de papel oleado passou então a ser menos utilizado no dia a dia, e virou um artefato decorativo.

Tradição milenar

Há diferentes versões sobre a origem do guarda-chuva na China. A mais popular delas é a de Lu Ban (c.507-44 a.C.), famoso carpinteiro e construtor chinês. Dizem que certa vez ele viajava com sua irmã mais nova pelo Lago Oeste, na cidade de Hangzhou, quando começou a chover e a irmã disse: “Vamos fazer uma competição – quem tiver, antes do nascer do sol, uma ideia que nos permita viajar pelo Lago Oeste na chuva será o vencedor”. Lu Ban achou fácil, pegou algumas ferramentas e pedaços de madeira e passou a noite inteira construindo dez pavilhões em volta do lago. Ele estava muito confiante em seus esforços. No entanto, na manhã seguinte, enquanto Lu Ban fazia alarde de sua façanha, sua irmã segurava um dispositivo nas mãos, que podia ser aberto e assumir uma forma redonda, parecendo o telhado dos pavilhões construídos pelo carpinteiro.

Lu Ban ficou impressionado. Ele viu que o dispositivo, feito de tecido de seda e hastes de bambu, podia também ser fechado e virar uma bengala, ou ser aberto e formar um cone. Era leve, portátil e bonito. Ele admitiu a derrota. “Seu ’pavilhão’ portátil pode nos abrigar da chuva e é fácil de carregar”, disse Lu Ban. E assim foi inventado o guarda-chuva. Mais tarde, com a invenção do papel, as pessoas passaram a usá-lo, bem mais barato, em lugar do tecido de seda, reduzindo o custo do guarda-chuva. Para tornar o guarda-chuva à prova d’água, as pessoas pincelavam a sua superfície com óleo de tungue. E foi assim que surgu o guarda-chuva de papel oleado.

Com o crescente intercâmbio entre a China e outras nações durante a dinastia Ting (618-907), o guarda-chuva de papel oleado foi introduzido em vários países e regiões da Ásia, como Japão, Coreia, Vietnã, Tailândia e Laos, onde ganhou diferentes nomes e estilos, de acordo com a cultura e os costumes locais. O guarda-chuva de papel oleado na cultura japonesa, por exemplo, é com frequência associado à gueixa, à dança tradicional e às cerimônias do chá.

Guarda-chuvas de Luzhou

No passado, havia oficinas de guarda-chuvas de papel oleado espalhadas por todo o país e até os anos 1970 eles ainda eram usados por famílias chinesas. No entanto, a partir da década de 1980, os guarda-chuvas de náilon com hastes de metal, produzidos em massa, aos poucos substituíram os de papel oleado, feitos à mão. Como a produção dos guarda-chuvas de papek oleado tradicionalmente requer trabalho manual especializado, consome tempo e gera custos mais elevados, não há muitos fabricantes dedicados à sua produção atualmente. Apenas alguns locais na China ainda produzem hoje tais guarda-chuvas, e a vila de Fenshuiling, na cidade de Luzhou, província de Sichuan, é um deles.

Luzhou fica numa área de transição entre a Bacia de Sichuan e o Planalto Yunnan-Gizhou, com muita chuva e muito bambu. A cidade tem uma bela história de mais de 400 anos produzindo guarda-chuvas de papel oleado. Nos anos 1940, ainda havia mais de cem fábricas de guarda-chuvas de papel oleado, com mais de 10 mil pessoas envolvidas na atividade. Na década de 1990, o número, tanto de fábricas quanto de empregados, caiu acentuadamente. Na última década, as pessoas aos poucos voltaram a valorizar a história e a cultura do guarda-chuva de papel oleado. Como o número de pessoas que gostam dos guarda-chuvas tradicionais tem aumentado, a produção em Luzhou vem sendo revigorada.

A cor típica do guarda-chuva oleado estilo Luzhou é o vermelho. Para fazer esse tipo de guarda-chuva, os fabricantes escolhem o bambu casca de tartaruga (Phyllostachys edulis), que oferece boa flexibilidade. O bambu precisa ser tratado previamente, para evitar mofo e danos por insetos. Para a cobertura do guarda-chuva, escolhe-se um papel especial de algodão, com alta força de tensão, que então é pintado com padrões de flores, pássaros, figuras humanas, montanhas e rios. O passo final é espalhar o óleo de tungue uniformemente pela superfície do guarda-chuva. Esse tipo de guarda-chuva é muito durável: não racha, não desbota e nem deforma sob o sol escaldante ou chuva pesada; pode ser aberto e fechado pelo menos 3 mil vezes; sua superfície não se separa das hastes mesmo que ele fique encharcado de água por 24 horas. Além disso, ele serve para bloquear os danosos raios solares ultravioleta.

O processo tradicional de confecção de um guarda-chuva de papel oleado envolve mais de 70 procedimentos de produção totalmente manuais, e pode ser dividido em cinco etapas principais: (1) Seleciona-se o bambu. (2) O bambu é trabalhado e mergulhado na água. Depois é seco ao sol e montado numa armação. (3) O papel é cortado e colado na armação, e os padrões são pintados na cobertura do guarda-chuva. (4) A cobertura é oleada e exposta à luz do sol. (5) Usam-se tiras de algodão para amarrar a armação e coloca-se um cabo. Fazer um guarda-chuva desses leva duas semanas, mesmo para um artesão experiente. Também depende das condições do tempo, que afetam a forma da armação e a suavidade da superfície quando o sol é forte demais ou o índice de umidade do ar é muito alto devido a chuvisco constante.

 

O tipo mais representativo de guarda-chuva de papel oleado de Luzhou é o de armação presa com tiras de vários tons. Esse artesanato é especialmente sofisticado, com mais de 2.500 pontos de costura, todos realizados manualmente. Mesmo em Luzhou, são poucos os artesãos que dominam essa técnica. No passado, guarda-chuvas com esse grau de refinamento em sua construção eram oferecidos apenas à corte imperial. Quando o guarda-chuva é aberto, essas tiras coloridas formam um padrão que lembra uma peônia em flor, constituindo uma arte esteticamente agradável que reflete o charme do artesanato folclórico tradicional. Em 2008, os guarda-chuvas de papel oleado de Luzhou foram incluídos na lista de patrimônio nacional intangível.

 

Importância cultural

O guarda-chuva de papel oleado é um símbolo importante da cultura chinesa tradicional. A história a respeito dele mais conhecida é a Lenda da Cobra Branca, na qual os personagens principais, Xu Xian e Bai Suzhen (ninfas em forma de cobra branca), conhecem-se devido a um guarda-chuva de papel oleado (Xu empresta seu guarda-chuva a Bai num dia de chuva) e os dois acabam se apaixonando e se casando, um enredo recorrente na literatura chinesa, onde o guarda-chuva de papel oleado costuma ser associado a histórias de amor. Uma imagem típica das áreas ao sul do rio Yang-Tsé mostra um jovem, uma jovem, ou um jovem casal, segurando um guarda-chuva de papel oleado e andando por uma alameda sinuosa sob o chuvisco, com casas de paredes brancas e telhas cinza-escuro de ambos os lados.

Em chinês, “óleo” (pronunciado como you) e “ter” são homônimos, e “papel” e “filho” têm pronúncia similar; além disso, como o caractere 伞 (guarda-chuva) na sua forma complexa original contém “cinco pessoas”, o guarda-chuva de papel oleado simboliza uma bênção, para que a família tenha muitos filhos e netos. O guarda-chuva abre-se numa forma redonda, simbolizando uma vida feliz e completa, portanto é costume incluir um guarda-chuva de papel oleado nos presentes para a noiva, e esse costume tem sido amplamente adotado nos casamentos Hakka, em lugares como Taiwan e em alguns países do Sudeste Asiático.

Além disso, esse tipo de guarda-chuva também simboliza o amor romântico e fiel. Na área habitada pelo povo Yao, o guarda-chuva é usado como um presente de noivado pela família do noivo. Primeiro, o homem propõe casamento na casa da futura noiva. Depois de obter a permissão dos pais dela, ele escolhe um representante para levar um guarda-chuva de papel oleado à casa da mulher e colocá-lo sobre a mesa, em cima da qual há um santuário para placas de ancestrais. Se a noiva aceitar casar com ele, ela pega o guarda-chuva da mesa pessoalmente e costura nele 12 triângulos decorativos de algodão. O representante da família do homem traz então o guarda-chuva de volta, como prova de um compromisso assumido. Caso mais tarde o casal se divorcie, o marido deverá devolver os triângulos decorativos à esposa.

No passado, havia também uma tradição segundo a qual as pessoas que viajavam para realizar os exames imperiais deveriam levar um guarda-chuva vermelho em sua mochila, que por isso era chamado de guarda-chuva Baofu (“mochila”). Como “mochila” e “abençoar” são homônimos em chinês, levar um guarda-chuva de papel oleado simboliza as bênçãos para uma viagem segura e um futuro brilhante para o candidato. As pessoas acreditam que o vermelho do óleo de tungue pode evitar calamidades, afastar maus espíritos e garantir segurança. Hoje, algumas famílias nas áreas litorâneas do sudeste ainda dependuram um guarda-chuva no teto, como proteção para a casa. O guarda-chuva de papel oleado também é muito usado em cerimônias de homenagem aos ancestrais. Como os imperadores da antiga China costumavam andar debaixo de um grande guarda-chuva amarelo ao saírem do palácio, o que demonstrava seu supremo status, as pessoas usam o guarda-chuva de papel oleado para homenagear os ancestrais, na esperança de que os membros já falecidos da família possam de uma vida afluente e renascerem sem demora.

Embora o guarda-chuva de papel oleado vermelho não seja mais muito usado em dias de chuva, ele nunca desapareceu da vida das pessoas. Muitos lugares na China ainda mantêm a tradição de dar um guarda-chuva de papel oleado vermelho nas celebrações de aniversários, casamento, nascimento de filhos, mudanças de casa e promoções no trabalho.

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