O BRICS e o narcisismo ocidental

Por Tatiana Molina

Quando Jim O´Neil, economista-chefe da Goldman Sachs, cunhou em 2001 o termo BRIC referindo-se a Brasil, Rússia, Índia e China como economias do futuro talvez não tivesse ideia de que, criado em 2006, os membros dessa sigla se abririam para a entrada de novos países e ainda criariam desconfiança para os estados do chamado Primeiro Mundo. Em 2011, durante a terceira cúpula, a África do Sul aderiu formalmente ao grupo. A XV Cúpula do BRICS, realizada em Joanesburgo em agosto de 2023, significou o nascimento do BRICS+ (ou plus) com a entrada de países díspares em tamanho, economia e desenvolvimento, mas em uníssono quando o assunto é interesse na participação nas questões globais.

Os novos membros – Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã (Argentina também foi aceita, mas o recém-eleito presidente Javier Milei rejeitou o ingresso do país), – validados em janeiro de 2024 ampliam a área de atuação e cooperação dos parceiros iniciais mais a África do Sul e descortina elementos importantes: atuação geopolítica, força na produção de petróleo e gás, recursos minerais à disposição e aumento das cooperações comerciais com fomento de infraestrutura.

A união desses estados lembra muito o Movimento dos Países Não-Alinhados formado no pós-Segunda Guerra e reunidos na Conferência de Bangdung, em 1955, em uma época marcada pela disputa entre Estados Unidos e União Soviética. O que objetivam hoje é a promoção de medidas de crescimento econômico e desenvolvimento socioeconômico sustentável que passa por pautas como criação de uma logística comercial mais efetiva, substituição do dólar, transferência de tecnologia, dentre outras. O BRICS plus almeja fazer parte do sistema internacional de nações com a preocupação de interferir nas regras estabelecidas de maneira que não sejam reféns dos ditames dos países desenvolvidos.

Existe um narcisismo estadunidense e europeu que associa tudo o que acontece no mundo a uma tentativa de tentar derrubar seus poderes, a democracia, as regras trabalhistas, o status quo, as empresas privadas e tudo mais o que esteja ligado aos ideais firmados como certos independente da história de cada país e região. Não importa a bagagem histórica e cultural de quase cinco mil anos, como no caso da China. Não importa o passado colonial, como no caso do Brasil, África do Sul e Índia. Mesmo alguns países tendo tentado estabelecer relações com o Ocidente, como a exemplo da Rússia onde a questão identitária travada pela escola Ocidentalista tentou se aproximar mais da Europa do que da Ásia. Bóris Yeltsin, na década de 1990, buscou ativamente uma conexão mais próxima ao Ocidente. Vladimir Putin é pragmático mas, como um grande admirador de Pedro, o Grande (Ocidentalista ferrenho) afirmou em sua autobiografia: Nós russos somos parte da cultura europeia. Na verdade, derivamos nosso valor exatamente daí e onde quer que nosso povo habite, seja no leste, seja no sul, nós somos europeus.

Não importa ainda as relações reestabelecidas entre China e EUA, em 1972, que se seguiu até a uma amizade próxima entre o presidente George W. Bush e o líder Deng Xiaoping. Não importa o histórico das boas relações do Brasil com os Estados Unidos e Europa desde sempre e o fato de a última guerra em que o Brasil se envolveu ter mais de 150 anos (Guerra do Paraguai, 1864 – 1870).

Não se trata de negar que um bloco formado por países de tamanho continental sendo um deles a segunda, ou mesmo primeira economia do mundo (dependendo dos medidores econômicos utilizados) não ambiciona uma posição estratégica no tabuleiro de Zbigniew Brzezinski. Ou que a Índia, com um setor tecnológico pungente, e a Rússia, com seu poderio militar e (as nunca usadas) bombas nucleares, também não queiram um espaço de destaque na economia mundial. O Brasil é o que corre mais atrás quando o assunto é acesso à tecnologia de ponta. Com mais planejamento de estado e menos planejamento de governo ainda há esperança.

Nem todo país anseia pela hegemonia. Dá muito trabalho, há muitos gastos envolvidos e a necessidade de intromissão em assuntos externos quando na verdade o que muitos desejam é olhar para dentro e se preocupar com as demandas que eles já precisam enfrentar. São questões fronteiriças, disputas marítimas, conflitos étnicos, aproximação de blocos militares de suas fronteiras e mais uma enxurrada de temas como criação de novos empregos, desemprego, seguridade social e preocupação com o meio ambiente.

Em comparação a uma pessoa que faz constantes relatos de sofrer perseguição de tudo e de todos tornando-se assim uma vítima dos invejosos que querem sua desgraça, Estados Unidos e Europa recorrem de tempos em tempos às instituições das  Nações Unidas, mídias, clamor público e apelo popular para relatar suas sofridas vidas de países ricos. Qualquer um que não escreva conforme a sua cartilha é automaticamente visto como uma potencial ameaça.

 

Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.


*Tatiana Molina é professora no Instituto Chengdu, Sichuan International Studies University, Sichuan, China. Vice-coordenadora do Centro de Estudos sobre China Contemporânea e Ásia – CEA/NEA.

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