Por Evandro Menezes de Carvalho*
Com a eleição do Lula para a presidência do Brasil, as relações com a China ganharam novo impulso. Houve muito otimismo no ar na viagem de Lula à China. É compreensível. Mas este otimismo precisa ser calibrado. Os tempos atuais são outros se compararmos com os governos Lula 1 e 2 (2003 a 2010). No plano interno, Lula 3 é um governo de coalizão que herda um país com uma economia em processo lento de recuperação e com milhões de brasileiros de volta à pobreza. O ambiente político está irrigado de fake news que alimentam o discurso do ódio e ofuscam um debate racional sobre os problemas reais do país. No plano internacional, a economia global tenta se recuperar dos anos difíceis da pandemia, dos efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia/OTAN e dos embates, cada vez mais frequentes, entre Estados Unidos e China.
O governo chinês anunciou um crescimento de 5% para a sua economia este ano na 1ª Sessão da 14ª Assembleia Popular Nacional. Para um país com um PIB próximo de US$ 18 trilhões é um crescimento significativo. A China segue firme no propósito de ter 800 milhões de pessoas na faixa de renda média até 2035. Um mercado consumidor gigantesco e ávido por produtos e serviços de qualidade. Por ser o maior parceiro comercial de mais de uma centena de países, incluindo o Brasil, estes prognósticos são animadores para muitos governos e isto também significa que será mais intensa a concorrência pelas oportunidades no mercado chinês.
A China pós-pandemia quer importar mais, mas também quer diversificar os seus fornecedores e se movimenta para reduzir sua dependência externa em setores sensíveis. É o caso da soja. Mais de 85% da soja na China é importada do Brasil e dos Estados Unidos. E a China quer garantir sua segurança cerealífera reduzindo o farelo de soja na alimentação animal, sobretudo em razão de possíveis conflitos ainda maiores com os Estados Unidos. Além disso, a China quer ampliar a sua produção de soja em 40% nos próximos cinco anos. A longo prazo, o fabuloso superávit comercial que o Brasil tem com a China poderá se reduzir. Diante deste possível cenário, o Brasil precisa diversificar sua pauta de exportação e, de preferência, vender produtos com maior valor agregado para a China, fazer mais parcerias com empresas chinesas e entrar no mercado chinês com suas empresas e serviços.
A comitiva presidencial foi acompanhada de mais de 200 representantes de empresas brasileiras. Muitos queriam aumentar suas exportações e outros buscavam por investimentos. Quase metade das empresas eram do agronegócio. Commodities – e aqui se inclui tanto os produtos de origem agropecuária quanto os de extração mineral – são a vocação do Brasil. Por este motivo, há muita complementaridade com o mercado chinês. Mas é preciso avançar em outras áreas de cooperação.
No âmbito da iniciativa “Cinturão e Rota” (BRI, na sigla em inglês), a China criou, em 2014, o Fundo da Rota da Seda com US$ 40 bilhões. Este Fundo já investiu mais de US$ 17 bilhões em projetos de infraestrutura, cooperação industrial e financeira. O Brasil do Lula segue a política do Bolsonaro de manter o Brasil fora da BRI. Há, ainda, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês) que tem tido um papel importante no financiamento de projetos que se associam à BRI. O AIIB, uma iniciativa do governo chinês inaugurado em 2016 com capital de US$ 100 bilhões, tem fornecido quase US$ 20 bilhões em investimento em infraestrutura para seus membros, tendo aprovado mais de 80 projetos desde a sua fundação. O Brasil oficializou a sua entrada no Banco Asiático em setembro de 2021 integralizando apenas US$ 1 milhão no capital do Banco, quando havia prometido entrar com US$ 3,2 bilhões no governo Dilma Rousseff. O BRI e o AIIB são duas iniciativas chinesas que o Brasil precisa estudar melhor e avaliar quais são as oportunidades e desafios.
Ao prestigiar a posse da ex-presidente Dilma Rousseff no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), em Xangai, Lula sinalizou um maior engajamento do Brasil no Brics, contrastando com o governo anterior que manteve a atuação do Brasil no modo piloto automático. Há muito a ser feito e Lula contará com o apoio de muita gente que vem desenvolvento esta agenda no Brasil. Importante assinalar que Dilma Rousseff, quando presidente do Brasil, apoiou a criação de uma Rede de Universidade dos Países Brics.
Brasil e China têm uma parceria estratégica global que este ano completa 30 anos. Minha esperança é que no próximo ano, quando Brasil e China celebrarão 50 anos de relações diplomáticas, possamos ter mais motivos para comemorar.
Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.
*Editor-Chefe da China Hoje. Professor da UFF e FGV. Pesquisador Sênior do Institute for Global Cooperation and Understanding (iGCU), da Universidade de Pequim.
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