Quinze anos depois do anúncio formal da estratégia Go Global (Tornar-se Global), as empresas chinesas estão rapidamente ganhando o mundo. Embora as estatais tenham intensificado suas fusões e aquisições (F&A) no exterior, em 2016 foram pela primeira vez ultrapassadas pelas empresas privadas em volume de transações. Só no primeiro semestre, dois terços das vinte maiores F&As no exterior foram protagonizadas pelo capital privado.
Em 2015, 138 das 500 maiores empresas privadas chinesas obtiveram no exterior uma receita de US$ 164 bilhões, por meio de investimento externo direto (IED) e encomendas de projetos, um crescimento de 35,2% em relação ao ano anterior. Em 2015, as empresas privadas investiram cerca de US$ 28 bilhões em 1.328 projetos no exterior, número 25% superior aos 1.061 de 2014.
Negócios milionários
Em 2017 a Tencent Holdings comprou do SoftBank Group uma participação de 84,3% na finlandesa Supercell, desenvolvedora de games para celular, um negócio no valor aproximado de US$ 8,6 bilhões, segundo o The Wall Street Journal. Com valor estimado em US$ 10 bilhões, a compra da Supercell foi a maior aquisição feita no mercado de games. Desde 2006, a Tencent já investiu US$ 17,8 bilhões na compra de 34 empresas desenvolvedoras de games, sete das quais são chinesas, e as demais principalmente dos Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão.
A participação de empresas privadas no IED da China vem crescendo de modo constante nos últimos anos, afirma Long Yongtu, presidente do Center for China and Globalization (CCG). Só no mercado norte-americano, em 2013 foi de 76% e os projetos nos quais investiram totalizam 90% do que foi investido pelas companhias chinesas,
As empresas privadas chinesas são também proativas em áreas emergentes, como a Realidade Virtual (RV) e a Realidade Aumentada (RA). Em fevereiro de 2016, a Alibaba liderou o financiamento dos US$ 793,5 milhões investidos no Magic Leap, com sede na Flórida. No mesmo mês, o Shanda Group, um operador de jogos pela internet e editora de livros com base em Xangai, anunciou estar investindo na The Void, empresa norte-americana especializada em tecnologias de RV, e planeja criar na China um parque temático dedicado à The Void. Em agosto, a NetEase anunciou sua participação no financiamento da NextVR, uma líder emergente em tecnologia de transmissão de realidade virtual ao vivo.
Os investimentos feitos a partir de 2015 pelas companhias chinesas de cinema e tevê têm chamado a atenção do mundo. Depois de adquirir a AMC Theaters, o Dalian Wanda Group embarcou em uma série de fusões e aquisições por meio de holdings ou de participação acionária, e com isso colheu bons lucros no mercado internacional de cinema. O Huayi Brothers Media Corp., a maior companhia privada de produção de filmes da China, fechou acordo com a U.S. STX Entertainment para financiar, coproduzir e lançar mais de 18 filmes até 2017. Além disso, a China Media Capital (CMC), empresa com sede em Xangai, e a Warner Brothers Entertainment formaram uma joint venture para produzir filmes em chinês para o mercado internacional.
Os principais destinos de investimento das empresas chinesas têm sido a América do Norte e a Europa, devido à sua tecnologia de ponta, às plataformas avançadas e aos seus grupos de consumidores mais maduros.
No último mês de junho, o gigante varejista chinês Suning Holdings Group adquiriu uma holding de 70% da equipe de futebol italiana Inter de Milão por 270 milhões de euros (US$ 307 milhões), por meio da compra de suas ações existentes e novas.
Um Cinturão e uma Rota
A consultoria Ernst & Young recentemente lançou a publicação Going Out: the Global Dream of a Manufacturing Power – 2016 China Outbound Investment Outlook , que revela que o investimento externo da China provavelmente irá alcançar outro pico histórico. Estratégias nacionais como Um Cinturão e uma Rota e Made in China 2025 gradualmente têm surtido efeito sob a política Go Global. Espera-se que o investimento externo da China cresça mais de 10%, e mantenha alto crescimento sustentável pelos próximos cinco anos.
No dia 28 de agosto último, um trem de carga partiu pela primeira vez de Yiwu, na Província de Zhejiang, com destino ao Afeganistão, carregando 100 contêineres de mercadorias. Desde 2013, esta foi a quinta rota aberta ligando Yiwu ao mundo. Antes, haviam sido inauguradas as linhas Yiwu-Ásia Central, Yiwu-Madri, Yiwu-Teerã, e agora a linha Yiwu-Rússia, ativa desde agosto de 2016.
As linhas de carga China-Europa servem de trampolim para que as empresas privadas de Zhejiang possam explorar os mercados nos países ao longo da iniciativa Um Cinturão e uma Rota. Bao Weidong, vice-diretor do Yiwu Bureau of Land Port Affairs and Management (“Escritório de Negócios e Administração Alfandegária de Yiwu”), declarou que a cooperação irá se estender até aonde os trens forem capazes de chegar.
Em março de 2016, o Yiwu Small Commodities Market (Mercado de Pequenas Commodities de Yiwu) assistiu à inauguração de seu primeiro mercado no exterior – em Varsóvia, Polônia, uma das estações ao longo da Ferrovia Yiwu-Xinjiang-Europa. Além disso, empresas privadas de Yiwu abriram 22 lojas de varejo no exterior, em cidades como Moscou, Madri, Lisboa, Cidade do Cabo e Sydney.
Portanto, a implementação da iniciativa Um Cinturão e uma Rota estimulou um número crescente de empresas privadas chinesas a se tornarem globais.
Em 2016, o governo provincial de Sichuan lançou o programa “Mil empresas viajando pela Rota da Seda”, com o objetivo de promover o desenvolvimento do mercado e a cooperação em investimento, em regiões como Oriente Médio, Europa do Leste, África, Sul da Ásia e a região do Asean (“Associação das Nações do Sudeste Asiático”). “Cerca de 700 de nossas empresas, quase todas elas privadas, estão investindo no exterior”, disse Xie Kaihua, chefe do Departamento de Comércio da Província de Sichuan.
O governo provincial de Sichuan planeja implementar 30 projetos-chave para incrementar a colaboração no aumento da capacidade de produção internacional. Também irá estabelecer três bases de demonstração no exterior sobre comércio exterior e cooperação econômica, que irão gerar volumes totais de exportação e importação superiores a US$ 3 bilhões, segundo as expectativas.
Muitas empresas privadas mostraram grande interesse pelos países ao longo da iniciativa Um Cinturão e uma Rota. “O Sudeste Asiático detém uma posição estratégica na iniciativa Um Cinturão e uma Rota, e as políticas de apoio governamentais têm nos estimulado a ‘sair’ e investir no Laos”, declarou o presidente do Guangyao Dongfang Group, Li Guibin. Esta empresa comercial do ramo imobiliário vem fazendo investimentos no Laos desde 2010, nas áreas de energia elétrica, mineração e na indústria, o que ficou evidente, por exemplo, na implementação de um projeto de hidrelétrica em Lamphun e de um projeto de depósitos de ferro em Phalek.
O Tsingshan Holding Group, empresa privada de produção de metais ferrosos e ácido inoxidável da Província de Zhejiang, também vem aumentando seus esforços para se tornar global. A companhia comprou recursos de níquel na Indonésia, obteve direitos de mineração em minas de cromo no Zimbábue e montou fábricas nos Estados Unidos.
“Cada movimento que a companhia tem feito está relacionado de perto com a estratégia nacional e a transformação estrutural da economia chinesa”, declarou o presidente do Tsingshan Holding Group, Xiang Guangda.
O mapa de investimento internacional do grupo Tsingshan reflete a opção adotada por um número expressivo de empresas privadas da China, a de fazer incursões exploratórias no mercado global.
Necessidades locais
Então, de que modo as empresas privadas sobrevivem e se desenvolvem nos mercados locais?
Não é fácil. O Boston Consulting Group Statistics mostra que os adquirentes chineses concluem apenas 67% de seus negócios no exterior – um resultado que perde na comparação com os resultados obtidos pelos adquirentes do mundo desenvolvido. Para os empresários chineses, os principais obstáculos são diferenças em relação aos princípios de mercado e à cultura dos países estrangeiros. “Não podemos simplesmente aplicar princípios domésticos aos mercados estrangeiros”, afirma o presidente do New Hope Group, Liu Yonghao. “E tampouco podemos nos prender a convenções ao conduzir F&As e outros negócios no exterior”, acrescenta ele.
A experiência bem-sucedida da Baidu, importante empresa chinesa de serviços de internet, tem se apoiado no lançamento de produtos para celular que atendam às necessidades dos consumidores locais. Por exemplo, ela lançou na Indonésia um site de livestreaming nas redes sociais e no Brasil um site de compra coletiva. Hoje, tem um mapa de serviços que cobre mais de 100 países. Um funcionário da Baidu revelou durante a Conferência de Inovação Tecnológica da Baidu, em setembro de 2016, que os produtos da empresa para celulares estão disponíveis em mais de 200 países e regiões. A companhia tem hoje 1,6 bilhão de usuários registrados e 300 milhões de usuários ativos – o dobro do que tinha em 2015.
Hoje, muitas empresas intensivas em conhecimento preferem estabelecer centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no exterior, para aprimorar sua capacidade de inovação e sua competitividade internacional.
A Huawei anunciou em 14 de junho de 2016, durante o Quarto Dia Europeu de Inovação da Huawei, a abertura de um Centro de Pesquisas Matemáticas na França. Ele emprega mais de 80 pesquisadores, todos com doutorado. A iniciativa destacou a ênfase da Huawei na pesquisa científica básica, particularmente nos algoritmos matemáticos, desde a criação de seu primeiro centro de pesquisa matemática na Rússia.
Até momento, a Huawei montou 16 centros de pesquisa ao redor do mundo, incluindo o centro de pesquisas na França, onde quatro equipes se ocupam respectivamente de design, imagens digitais, matemática e dispositivos domésticos (veja reportagem na página 26)
Em 4 de novembro de 2015, a ZTE Corporation inaugurou um centro de P&D em Tóquio. Seu foco é no desenvolvimento de tecnologias de rede 4G e 5G e em acelerar a comercialização das tecnologias de Pré-5G e de 5G, assim como aprofundar a colaboração com operadores e instituições acadêmicas no Japão.
Há muitos outros exemplos. A Wuhan Guanggu Lanyan New Energy criou um centro de P&D na Dinamarca, que tem inovado na tecnologia de aquecimento da biomassa; ja a Tri-Ring Group montou o seu na Alemanha, o que ajudou a gerar rendimentos mais elevados dos mercados exteriores para a companhia. Eles chegaram a um volume de 215 milhões de yuans. Companhias como a Shandong Linyi Transnational Procurement Center e a Shandong Huasheng International Trade também abriram lojas no exterior, centros de P&D e filiais de vendas. Com isso montaram redes de vendas internacionais relativamente completas.
Guo Guangchang, presidente do Fosun Group, disse que no passado a maioria das empresas chinesas eram “pressionadas” a se tornarem globais e, por isso, com frequência agiam passivamente. Agora, no entanto, elas tomam mais a iniciativa, e são proativas em sua busca de otimizar o uso dos recursos internacionais e de expandir um desenvolvimento econômico comum.
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