Desenvolver esforços conjuntos para ajustar o curso da globalização econômica e forjar um novo modelo de crescimento global, cooperação e desenvolvimento.
Este foi, em síntese, o apelo que o presidente chinês Xi Jinping fez em discurso de abertura da sessão plenária do encontro anual do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) de 2017, em Davos, na Suíça. Foi a primeira vez que um chefe de Estado chinês compareceu ao encontro, fato saudado por Klaus Schwab, fundador e presidente-executivo do evento, como de enorme valor e importância histórica.
Em meio a uma crescente onda de preocupação global com o protecionismo, sentimentos nacionalistas antiglobalização e outras questões econômicas e políticas, o presidente chinês afirmou que seu país manterá suas portas abertas ao mundo e irá avançar na construção de uma Área de Livre Comércio no Pacífico Asiático e nas negociações da Parceria Econômica Regional Abrangente, formando assim uma rede global de acordos de livre comércio.
Xi enfatizou que o desenvolvimento da China continuará criando oportunidades para as comunidades de negócios de outros países. Nos próximos cinco anos, espera-se que o país importe bens no valor de US$ 8 trilhões, atraia US$ 600 bilhões em investimentos estrangeiros e faça investimentos no exterior da ordem de US$ 750 bilhões.
Nas páginas seguintes, uma análise do que foi a participação do presidente chinês em Davos, um balanço das conquistas da diplomacia chinesa em 2016 e amizade cada vez mais estreita do gigante asiático com a América Latina.
Davos: contribuições e responsabilidades da China
Pela primeira vez na história, o Fórum de Davos contou com a participação de um chefe de Estado chinês, um gesto de grande valor simbólico em um momento de incertezas
A participação do presidente Xi Jinping no Fórum Econômico Mundial em Davos – a primeira de um chefe de Estado chinês – reveste-se de considerável importância no que diz respeito à reforma da governança global e às suas perspectivas de desenvolvimento. Os cinco itens principais da agenda foram: fortalecer e promover o mecanismo de cooperação global; estabelecer uma direção positiva e aumentar o consenso; estimular a economia global; reformar o capitalismo de mercado; e dar uma resposta à quarta Revolução Industrial.
Como segunda maior economia do mundo, a China tem compartilhado sua sabedoria no atual cenário de complicadas questões globais, e assumiu proativamente sua responsabilidade internacional, em sintonia com o conceito de “liderança sensível e responsável”, que foi também tema do fórum.
Oportunidades e desafios
O ano de 2016 foi palco de eventos extraordinários, da Europa ao Oriente Médio e do Leste Asiático à América Latina. Houve acirrados debates e dúvidas em relação ao desenvolvimento da globalização e ao processo de regionalização. A abordagem de lidar com problemas globais por meio do mecanismo de referência internacional sofreu mudanças, em grande parte devido à opinião pública, que tem priorizado de maneira predominante os interesses nacionais e se inclina para o nacionalismo. A emergência de líderes populistas e de partidos de direita tem levado a uma desconsideração do consenso internacional e de identidades compartilhadas, colocando ênfase no conflito e no confronto. Neste cenário, a China depara-se com oportunidades e desafios, e decidiu participar desse fórum junto com destacados líderes, colocando-se assim no centro do palco com vistas a um engajamento proativo no desenvolvimento da globalização, e propondo ao mundo sua iniciativa de reforma da governança global.
Por um lado, o então presidente eleito Donald Trump havia expressado sua disposição de restringir as responsabilidades globais dos Estados Unidos. Isso ficou evidente em sua decisão de se retirar da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), defendendo a tese resumida pelo slogan “a América em Primeiro Lugar” e criticando o atual sistema internacional de comércio ao exigir que os aliados dos Estados Unidos participem mais das despesas com segurança. Quer seus comentários tenham ou não o intuito de compor uma retórica política vistosa ou de introduzir “a arte da negociação” a fim de obter maiores ganhos, eles revelam o declínio da governança global dos Estados Unidos. E também são a corporificação da insatisfação mundial – tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento – em relação à ordem e ao sistema vigentes no plano internacional.
A China irá assegurar que mais pessoas tenham acesso aos frutos da integração, criando maiores benefícios mútuos inclusivos e um sistema internacional mais razoável e coordenado.
Além disso, como defendem alguns comentaristas, a implicação é que conforme os Estados Unidos se retiram, a China deverá preencher o vazio e liderar a governança global. Mais importante, mostra também que os atuais mecanismos são incapazes de resolver os crescentes problemas globais atuais, e que os cidadãos, tanto dos países desenvolvidos quanto dos demais, não acreditam que possam obter benefícios de uma integração mais profunda.
Portanto, a viagem do presidente Xi a Davos significa muito mais do que uma aposta pela liderança global; ela levanta uma questão que gera perplexidade: “Como podemos, em um ambiente dessa complexidade, fortalecer a confiança na integração e melhorar a coordenação internacional para alcançarmos uma ordem internacional mais ampla e mais justa?”.
A resposta que a China dá a essa pergunta é a conclamação a uma “democratização das relações internacionais”, que tem como valor essencial opor-se ao hegemonismo e ao unilateralismo, convocando todos os países a resolverem as questões internacionais por meio de uma negociação pacífica, e a lidarem de forma conjunta com os assuntos internacionais. Em outras palavras, poderíamos dizer que a “democratização das relações internacionais” é o que se mostra necessário no momento como premissa e como a chave para uma paz sustentável, para o desenvolvimento mútuo e para o progresso de todos os seres humanos.
Promover a reforma da governança global
Em um mundo no qual a globalização está em baixa, a participação do presidente Xi na reunião em Davos é claramente uma proposta de promover o crescimento econômico global por meio de cooperação, coordenação e identidade internacional compartilhada, o que implica um movimento em direção a uma reforma da governança global.
Se compararmos o processo de globalização em 2016 com um supercomputador, podemos dizer que seu hardware foi mantido. A comunidade internacional ainda é uma máquina complexa e multiconectada, na qual as grandes potências criam e moldam as regras e normas internacionais. No entanto, o software desse computador não é mais compatível. O Brexit enfraqueceu a integração da União Europeia, e as tensões regionais e o declínio econômico levaram à estagnação do atual mecanismo de comércio multilateral. Se separamos o hardware do software, então o fato de simplesmente colocarmos a globalização em questão e concluir que o mundo está se desenvolvendo no sentido do autointeresse será uma postura problemática. O software pode estar mudando, mas o hardware não está, ou seja, as atividades antiglobalização não estão fazendo com que as questões globais percam protagonismo.
Enquanto esses problemas continuarem existindo, a cooperação internacional e a governança global persistirão. A viagem de Xi à Suíça, portanto, não é parte da tendência antiglobalização, ao contrário, é um esforço responsável em direção a um maior desenvolvimento da governança global.
A China posiciona-se, portanto, como promotora da reforma da governança global. O comparecimento do presidente Xi ao fórum de Davos confirma a identidade da China e seu papel na reforma da governança global. A geopolítica tradicional enfatiza os conflitos inevitáveis entre as potências emergentes e as estabelecidas, com as potências emergentes sendo vistas como as causadoras da instabilidade. A viagem de Xi mudou essas suposições. Em contraste com a vaga política exterior e com a postura agressiva em assuntos internacionais do presidente Donald Trump, o envolvimento da China com a governança global tornou Pequim parte do status quo e uma apoiadora da ordem internacional vigente.
O fórum de Davos tem servido há tempos como uma plataforma na qual os líderes mundiais podem discutir questões globais. Desde que o presidente Bill Clinton participou do fórum há dezessete anos, os Estados Unidos têm sido o seu líder e suas contrapartes europeias seus principais atores. Nesta ocasião, porém, a China, que antes era considerada como revisionista e como desafiadora do processo de globalização e da ordem mundial, escolheu manter o atual desenvolvimento em direção ao multilateralismo em resposta aos graves e crescentes problemas globais. Isso contrasta agudamente com a abordagem americana, regionalista e até mesmo isolacionista.
Os Estados Unidos não têm propostas efetivas sobre como assegurar equilíbrio, justiça e inclusividade na ordem internacional, nem sobre como equilibrar interesses regionais.
A razão por trás dessa escolha da China não é, obviamente, que o país tenha se beneficiado enormemente da globalização, como alguns comentaristas sugeriram. Ao contrário, embora a China tenha se beneficiado do sistema internacional atual, ela também experimentou forte impacto negativo no que se refere aos seus interesses nacionais. A integração à sociedade internacional também trouxe impactos negativos. O que a China mais apreciou foi a estabilidade da ordem internacional, mais do que o sistema como um todo. Consequentemente, a posição e o papel da China na governança global são consistentes, isto é, voltam-se para o apoio à estabilidade desta ordem e à tendência de globalização, mas ao mesmo tempo propõem soluções razoáveis que a tornem mais justa e equilibrada.
A voz da China em Davos
Representada em Davos por uma delegação de alto nível, a China apresentou suas propostas para a reforma da governança global. Os Estados Unidos, como líderes da governança global, têm sempre enfatizado seu domínio e sua liderança na ordem internacional. Seu valor essencial é o de manter a hegemonia benigna dos Estados Unidos e de apoiar alianças, estados democráticos e economia de livre mercado ao redor do mundo. No entanto, o país não apresentou propostas efetivas sobre como assegurar equilíbrio, justiça e inclusão na ordem internacional, nem sobre como equilibrar os interesses regionais e globais ou sobre como fortalecer o mecanismo do mercado global.
A China apresentou sua solução, que transcende a contradição tradicional entre Estados centrais e periféricos; ela defende a coexistência pacífica de diversas culturas. Diferentes sistemas políticos, estruturas sociais e situações econômicas coexistem no sistema internacional. Portanto, embora reconhecendo seus conflitos e contradições, os países devem também se respeitar mutuamente e buscar cooperação.
No aspecto econômico, apesar do arraigado protecionismo comercial global, a China insiste em uma economia aberta e em uma cadeia de suprimentos internacional. Com base no atual padrão de cooperação, ela promove cooperação em vários níveis e entre várias partes em campos mais amplos, incentiva Estados negligenciados a participarem de mercados internacionais e defende um aumento no suprimento de bens públicos e na manutenção da estabilidade e da equanimidade no mercado global.
Assumir a responsabilidade pela reforma
A participação da China na reforma da governança global tem oferecido ao mundo uma abordagem alternativa e também tem criado iniciativas e planos concretos, como o Banco de Investimento na Infraestrutura Asiática (AIIB, na sigla em inglês) e o Banco de Desenvolvimento do Brics, por meio dos quais é possível formular e ajustar regras de governança financeira global e ampliar as fontes de financiamento. Além disso, promove as áreas econômicas regionais por meio da Iniciativa um Cinturão, uma Rota, aprimorando desse modo a interconexão da China com os países ao longo desse Cinturão e dessa Rota e entre os próprios países. Isso deve, portanto, aliviar o sistema de comércio atual de seus aspectos desequilibrados e injustos e criar oportunidades para os países em desenvolvimento.
A China vai assumir a responsabilidade pela reforma da governança global tanto por meio de apoio financeiro como da construção de zonas de comércio. O país irá assegurar desse modo que mais pessoas tenham acesso aos frutos da integração, criando maiores benefícios mútuos inclusivos e um sistema internacional mais razoável e coordenado.
XU YANZHUO é pesquisador associado do Instituto de Economia Mundial e Política da Academia Chinesa de Ciências Sociais.
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