Por Evandro Menezes de Carvalho*
Em seu primeiro documento de política para a América Latina e o Caribe (ALC), publicado em 2008, o governo chinês declarou que vê suas relações com a região de um ponto de vista estratégico, abrangendo a cooperação em diversas áreas. Sob a liderança do presidente Xi Jinping, essa relação tem tido uma importância ainda maior. Xi visitou a América Latina cinco vezes desde que assumiu a presidência em 2013. A primeira visita de Xi como chefe de Estado a vários países da América Latina ocorreu neste mesmo ano. Em 2014, ele participou da Sexta Cúpula do BRICS na cidade de Fortaleza. Em 2016, Xi visitou Chile, Equador e Peru e participou da 24ª Reunião de Líderes da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico em Lima, Peru. Foi a terceira viagem de Xi à América Latina. Em novembro daquele ano, o governo chinês publicou o segundo documento sobre a política da China em relação à ALC, expressando sua determinação em levar a cooperação bilateral a um novo patamar.
Em 2015 ocorreu em Beijing o Primeiro Fórum China-CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos). Durante o evento, Xi propôs que o volume de comércio entre os dois lados chegasse a US$ 500 bilhões nos 10 anos seguintes e que o investimento direto chinês na América Latina atingisse os US$ 250 bilhões. Em janeiro de 2018, por ocasião do Segundo Fórum China-CELAC, realizado em Santiago do Chile, Xi convidou os países latino-americanos a participar da Iniciativa Cinturão e Rota e lembrou que a China colaborava com mais de 80 projetos de desenvolvimento na região. Entre os documentos aprovados neste evento está a Declaração Especial sobre a Iniciativa do Cinturão e Rota, em que a China afirmou que considera os países da ALC como parte da extensão natural da Rota da Seda Marítima. Em 2021, no Terceiro Fórum China-CELAC, publicou-se o Plano de Ação Conjunta China-CELAC para Cooperação em Áreas-Chave (2022-24). Devido à pandemia, Xi participou do fórum por meio de vídeo.
O Fórum China-CELAC tornou-se o principal canal de diálogo e cooperação diplomática entre a China e toda a região da ALC, sendo a Iniciativa do Cinturão e Rota um programa conceitual que complementa o formato pragmático de cooperação.
O comércio com a China e o investimento chinês na região da ALC são uma realidade muito concreta. Não é por acaso que 21 dos 32 membros da CELAC fazem parte da Iniciativa do Cinturão e Rota. Na América do Sul, Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela aderiram à iniciativa. Brasil, Colômbia e Paraguai não participam formalmente, mas são beneficiários de significativos investimentos chineses. Pode-se dizer que a iniciativa se estende à ALC, e a política externa chinesa vê essa região como um grande bloco a ser articulado por uma infraestrutura intercontinental.
De acordo com o China Global Investment Tracker, o investimento da China na ALC de 2005 a 2021 totalizou US$ 140 bilhões, sendo o Brasil o maior receptor com US$ 64 bilhões e o Peru com US$ 25 bilhões. A China tem acordos bilaterais de livre-comércio com Chile, Costa Rica e Peru, países banhados pelo Oceano Pacífico, que foram assinados respectivamente em 2005, 2009 e 2010. O governo chinês está negociando acordos de livre-comércio com Colômbia, Equador e Uruguai. A China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, Chile, Peru e Uruguai e o segundo maior parceiro da maioria dos outros países da ALC. O comércio com a América Latina saltou de US$ 180 bilhões em 2010 para US$ 450 bilhões em 2021, com a China mantendo um superávit de US$ 7 bilhões.
Os países latino-americanos exportam principalmente recursos naturais para a China, especialmente minerais, soja, combustível e petróleo, carne e cobre. As exportações chinesas para a região são principalmente máquinas e equipamentos elétricos, aparelhos mecânicos, peças e veículos motorizados. Essa situação é vista com preocupação pelos latino-americanos. O desafio para os governos e empresas da região é reformular a relação com a China de forma a favorecer o desenvolvimento tecnológico e industrial de todos os países na relação bilateral com a China.
Exceto pelos riscos de reprimarização das exportações, a expansão do comércio com a China contribuiu para que algumas economias latino americanas pudessem acumular divisas e, assim, enfrentar as consequências da crise financeira de 2008, agravada pelo surgimento da COVID-19.
A Iniciativa de Desenvolvimento Global proposta por Xi converge com as diretrizes do documento de política para a ALC. Atualmente, quando forças contrárias ao multilateralismo e à democratização do sistema internacional buscam impedir os avanços nas relações entre a China e a ALC, é sempre oportuno relembrar as conquistas já alcançadas.
Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.
*Editor-Chefe da China Hoje. Professor da UFF e FGV. Pesquisador Sênior do Institute for Global Cooperation and Understanding (iGCU), da Universidade de Pequim.
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