Por Taís Bahia
Contrariando o senso comum, as iniciativas destinadas a investimentos internacionais em infraestrutura não são limitadas aos setores de construção e energia, estendendo-se também ao setor educacional. O racional é simples: não há educação sem escolas, estradas que permitam aos alunos frequentar essas escolas, assim como acesso a eletricidade e internet. Nesse contexto, projetos como a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI ou B&R/一带一路), incluindo a Nova Rota da Seda Digital e a Nova Rota da Seda da Saúde, estão sujeitos ao escrutínio de especialistas de diversas áreas.
Em meio aos atuais debates sobre a influência global do gigante chinês, é crucial compreender que o conceito de “desenvolvimento” ultrapassa a noção de crescimento estritamente econômico. O desenvolvimento humano, tal como concebido pelo presidente chinês Xi Jinping para o avanço da China, abrange dimensões políticas, sociais e econômicas, centrando-se na mitigação das desigualdades. Essa visão enfatiza o desenvolvimento inovador, coordenado, ecológico, aberto e partilhado, colocando a educação de qualidade como pedra angular dessa estratégia. O compromisso da China com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável destaca a sua dedicação à realização do sonho chinês por meio da priorização do desenvolvimento humano.
Em linha com essa visão, a internacionalização da educação na China, particularmente a partir da década de 1980, tem sido objeto de atenção ao redor do mundo. A China introduziu como uma estratégia para revigorar a nação o investimento na ciência e na educação, divulgada pelo Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) e pelo Conselho de Estado, em 1995. Enfatizada pelo presidente Xi Jinping em discursos públicos, esta estratégia reconhece o papel fundamental dos avanços na ciência e tecnologia para aumentar a produtividade e qualificar a força de trabalho em mercados essenciais.
Em suma, essa iniciativa prioriza incentivos para a mobilidade internacional de estudantes, destacando o papel da educação como um componente-chave no contexto globalizado do comércio internacional. Apesar das preocupações sobre a possível diluição do conhecimento local e das identidades culturais sob a influência de padrões “ocidentalizados”, são ressaltados os principais benefícios dessa estratégia, como o enriquecimento de experiências acadêmicas e de pesquisa por meio de intercâmbios transnacionais, que promovem o compartilhamento de pensamentos científicos a fim de construir uma comunidade global.
Os impactos no setor educacional – A Iniciativa Cinturão e Rota abrange não apenas a promoção da eficiência no comércio e o fomento da comunicação, a integração digital e a melhoria das redes de transporte, mas também os intercâmbios culturais e a diplomacia educacional. Nesse sentido, vale a pena destacar os programas que foram lançados no âmbito dessa iniciativa visando responder às urgentes exigências de desenvolvimento dos países que participam dessa cooperação:
- Fortalecimento do Intercâmbio Acadêmico Bilateral da Rota da Seda: iniciativa focada em aumentar a atratividade da China como centro educacional e cultivar novos talentos;
- Cooperação da Rota da Seda na Gestão de Instituições e Programas Educacionais: programa que visa melhorar a colaboração entre escolas profissionais e técnicas, assim como outras entidades comerciais e industriais;
- Aprimoramento da Formação de Professores da Rota da Seda: esforços concentrados na organização de estadias de formação para professores e
diretores, juntamente com cursos de certificação; e - Programa Conjunto de Melhoria da Educação e Formação da Rota da Seda: programa concebido para facilitar iniciativas conjuntas de educação e formação em universidades, abrangendo diversas disciplinas como línguas, energia, transportes, ciências médicas e arquitetura, entre outras.
De modo geral, a Iniciativa Cinturão e Rota traz oportunidades relevantes para a comunidade acadêmica global, especialmente considerando seus estágios iniciais envolvendo educadores e políticos. À medida que a China expande a sua presença internacionalmente, há uma demanda crescente de profissionais qualificados nos campos das Ciências Sociais e disciplinas relacionadas para contribuírem nos processos de tomada de decisões nos cenários políticos. Além disso, o recrutamento de acadêmicos e outros profissionais para investir na orientação dos atuais e futuros líderes é estratégico para promover uma interação mais substancial com a comunidade internacional.
O alcance do Cinturão e Rota na América Latina – Nos últimos anos, a Iniciativa Cinturão e Rota emergiu como uma iniciativa com potencial transformador, que incentiva consultas, cooperações e compartilhamento de benefícios comerciais entre as nações envolvidas. Esta iniciativa, que incorpora os princípios da cooperação Sul-Sul, foi integrada nos mecanismos de governança regional, facilitando a colaboração em diversas regiões do globo. Ao longo da última década, essa rede de cooperação expandiu-se consideravelmente, abrangendo desde a Eurásia até África e América Latina, demonstrando a sua crescente influência em escala global.
Apesar da associação histórica da “Rota da Seda” com a Ásia, cumpre também reconhecer a presença substancial da China na região da América Latina e Caribe. Numa notável demonstração de colaboração, inúmeros países, como Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Equador, Guiana, Honduras, Peru, Uruguai e Venezuela, alinharam-se formalmente com a iniciativa. Além disso, países como o Brasil, a Colômbia e o Paraguai, embora não façam oficialmente parte do Cinturão e Rota, vêm testemunhando um aumento nos investimentos chineses, indicando o aprofundamento das relações comerciais e das oportunidades de crescimento mútuo.
Segundo dados do China Global Investment Tracker, entre 2005 e 2023, o investimento chinês no exterior e no setor de construção alcançou quase US$ 2,4 trilhões. Segundo o relatório, o setor de transportes ultrapassou o setor de energia como a maior área de investimento neste período. Em 2023, embora os investimentos tenham começado a se recuperar dos efeitos das políticas Covid Zero, o setor de construção ainda demonstra, temporariamente, uma recuperação mais lenta. Ao analisar esses investimentos, torna-se evidente que a China reforçou as suas parcerias estratégicas e estabeleceu acordos de comércio livre com inúmeros países latino-americanos, impulsionando um crescimento significativo no comércio entre a China e a região da América Latina e Caribe.
Nas últimas duas décadas, o comércio entre a China e a América Latina disparou, passando de US$ 14 bilhões em 2000 para US$ 495 bilhões em 2022, de acordo com o relatório do Diálogo Interamericano. Além disso, as exportações chinesas para a região incluem atualmente uma maior proporção de bens e serviços de alta tecnologia, enquanto as importações de Pequim provenientes da América Latina e Caribe continuam a ser predominantemente de “commodities”, refletindo padrões já observados há décadas.
Em geral, o governo chinês vem reafirmando o seu compromisso de reforçar a sua colaboração com as nações da América Latina e Caribe, demonstrando que a China está disposta a cooperar na promoção da paz mundial, por meio do desenvolvimento e no estabelecimento de uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade. O governo chinês vê os países da América Latina e Caribe como membros críticos dentre aqueles que compõem a lista de países emergentes, participando ativamente na governança global e fazendo contribuições importantes para esta esfera. Diante desse cenário, analistas esperam que o comércio entre a China e a América Latina e Caribe ultrapasse US$ 700 bilhões em 2035, indicando que a China está a caminho de se tornar o principal parceiro comercial da região.
O caminho no Brasil – Considerando o papel relevante do Brasil e da China como nações emergentes no cenário mundial, torna-se fundamental entender a fundo a dinâmica das relações diplomáticas sino-brasileiras, que, este ano (2024), celebram 50 anos. Além de ser o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, os investimentos da China no Brasil atingiram um valor recorde de US$ 5,9 bilhões em 2021, conforme indicado em relatório do Conselho Empresarial Brasil-China publicado em 2023. Em geral, ambos os países têm investido nessa cooperação bilateral, além de serem membros de iniciativas relevantes como o G20 e o bloco BRICS, o que reforça a importância de ambos no atual panorama global.
O bloco BRICS, por exemplo, abrange nações em fases semelhantes de desenvolvimento econômico, com previsões de que ultrapassarão as principais economias do mundo, possivelmente até 2050. Os países do bloco compreendem mais de 40% da população mundial e um quarto da economia global. Além disso, instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) ou Banco do BRICS e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês) também têm um enorme potencial para reforçar ainda mais estas relações.
Nesse contexto, o Brasil está preparado para as oportunidades apresentadas pela Iniciativa Cinturão e Rota em meio ao atual cenário geopolítico. Esta iniciativa cria e difunde oportunidades, oferecendo ao Brasil a possibilidade de melhorar ainda mais seus laços diplomáticos e comerciais. Embora a China seja o principal parceiro comercial do Brasil, este ainda não aderiu formalmente ao Cinturão e Rota. No entanto, a iniciativa promete expandir estas relações em vários setores, abrindo caminho para uma colaboração ainda mais estruturada. Portanto, compreender as complexidades culturais mútuas entre estes países traduz uma necessidade estratégica.
Além disso, estudos confirmam que as empresas chinesas, especialmente aquelas envolvidas em iniciativas de internacionalização, como a estratégia = “Going Out” (走出去) ou “ Going Global” (走向世界), apresentaram um sucesso significativo na expansão de sua influência. Essa constatação ressalta a importância de fomentar uma mentalidade globalizada para as empresas brasileiras que se aventuram no mercado internacional.
A abordagem resoluta quanto a medidas de desenvolvimento apresentada pela China nos últimos anos encontra um suporte governamental estratégico, tendo sido estabelecida, portanto, sobre uma base sólida. Esse cenário vem criando um ambiente favorável para a globalização de empresas chinesas. Nesse aspecto, é notável que empreendimentos que adotam uma perspectiva global ao enfrentar e se adaptar a desafios culturais têm se destacado como líderes no mercado internacional.
Em outras palavras, a expansão das empresas chinesas no exterior, no âmbito da política chinesa de “Going Out”, pode proporcionar “insights” valiosos para os esforços de internacionalização do Brasil. Ao trabalhar em conjunto para superar barreiras culturais e promover o entendimento mútuo, o Brasil pode aproveitar o potencial dessas trocas comerciais e fortalecer seu relacionamento com a China em meio aos atuais desafios geopolíticos.
Em suma, essas oportunidades são importantes e estratégicas para que as relações sino-brasileiras sejam posicionadas em um patamar mais avançado. Diante disso, a promoção de um ambiente cultural de compreensão contribui para a mitigação de estereótipos e de qualquer desconfiança entre ambos os lados, facilitando, assim, o sucesso dessa parceria. A Iniciativa Cinturão e Rota abre novas vias de colaboração não só nos setores da infraestrutura e de energia, mas também na educação e na ciência, com potencial para impulsionar o desenvolvimento global.
Perspectivas e projeções – Olhando para o futuro, a Iniciativa Cinturão e Rota possui um imenso potencial para o desenvolvimento acadêmico de uma comunidade global. A visão da Iniciativa Cinturão e Rota de fazer avançar mais três bilhões de pessoas para a classe média e contribuir com 80% para o crescimento do PIB global até 2050 é um indicativo da ambição e da escala do projeto. À medida que a China se esforça para ilustrar a importância de lutar pelo benefício mútuo, criando resultados vantajosos para todos e alcançando o desenvolvimento por meio de iniciativas como essa, a educação torna-se uma via vital para promover a compreensão mútua, a cooperação e o avanço entre as nações participantes. Assim, à medida que a Iniciativa Cinturão e Rota se desenvolve, é essencial que educadores, acadêmicos, políticos e demais tomadores de decisões de todo o mundo sejam envolvidos nas oportunidades e desafios apresentados no contexto multilateral atual, garantindo que esses esforços mútuos sirvam como catalisadores para o desenvolvimento sustentável e a prosperidade global.
Em resumo, as iniciativas que incorporam os valores e princípios da cooperação Sul-Sul, como as que envolvem as relações entre a China e os países latino-americanos, exemplificadas pela Iniciativa Cinturão e Rota, contribuem significativamente para o desenvolvimento econômico e científico de todas as nações envolvidas. Olhando para o futuro, é imperativo que as entidades públicas e privadas desses países, incluindo o Brasil (embora ainda não faça parte do Cinturão e Rota), unam cada vez mais esforços, promovendo a troca de dados e informações, organizando debates em eventos internacionais e integração de instituições científicas e governamentais. Vale destacar que a cooperação Sul-Sul como um todo é essencial para o desenvolvimento econômica inclusivo, em que os recursos sejam partilhados de forma mais equitativa e as soluções sejam concebidas e implementadas de forma colaborativa.
* Taís Bahia é fundadora e CEO da Xianzai, única EdTech no Brasil focada na urgência da formação profissional e orientação acadêmica nas relações Brasil-China.
Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.
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