Avanços e institucionalização da governança dos Brics

Desde o seu início como grupo formal em 2009, a questão da governança do Brics tem sido o item mais importante da sua agenda. 

Revendo o histórico de realizações do Brics, dois arranjos institucionais se destacam como seus melhores resultados em termos de governança: o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo de Reserva de Contingenciamento (Contingency Reserve Arrangement ou CRA). Essas duas instituições demonstram o nível em que o Brics tem se posicionado como empreendedor de governança normativa global, e não apenas como mero grupo de “caronistas” do sistema.

Mas por que a agenda de governança é um aspecto tão crucial para o Brics? A resposta mais óbvia é que todos no Brics têm um interesse consistente em pressionar por uma reforma da arquitetura de governança global. Em parte, isso é uma reação às rápidas mudanças da dinâmica de poder subjacentes ao sistema internacional, como também uma reação à crescente e complexa interdependência de uma ordem mundial multipolar.

Mais importante ainda, cada um dos membros do Brics enfrenta hoje dificuldades no cenário doméstico de governança. Isso abrange desde deficiências de infraestrutura e quedas nos índices de crescimento do PIB até a rápida urbanização, desproporcional à implementação de serviços sociais, colocando em risco a governança socioeconômica e tornando difícil fazer frente às crescentes pressões da desigualdade, da pobreza e do desemprego. Portanto, fica claro que o posicionamento do Brics com seu foco principal na governança global é algo que nasce de considerações tanto domésticas quanto externas.

Conforme a 9ª Cúpula do Brics se aproxima, é imperativo colocar a seguinte questão: de que modo a agenda de governança global do Brics pode ser aprimorada e institucionalizada?

Se, de fato, a atual estrutura de governança global não está satisfazendo às necessidades do Brics e de outros países do Sul Global, então o fator-chave é que o sistema seja ajustado. Isso dará ensejo a que o Brics aprofunde e amplie sua cooperação na governança global, contrabalançando a atual natureza difusa do equilíbrio de poder no sistema internacional.

O início da presidência de Trump parece indicar um retrocesso, quando não um enfraquecimento, em relação ao papel que os Estados Unidos têm de subscritor e mantenedor das regras da estrutura de governança global. Isso é agravado pelas incertezas da ordem liberal global, que não só atravessa profundas mudanças como está se tornando cada vez mais ameaçada por trajetórias como o Brexit, o ressurgimento do nacionalismo populista e o retrocesso em relação à natureza liberal do Ocidente, como definida pela Magna Carta. Dentro desses contornos, de um sistema global em estado de fluidez, parece prudente para o Brics examinar opções viáveis, que ofereçam liderança estratégica para esse vazio de governança. Isso foi amplamente demonstrado pelo discurso proferido pelo presidente Xi Jinping no Fórum Econômico Mundial de 2017, quando ele enfatizou a necessidade de reforçar a globalização e um sistema de comércio aberto. 

Seria útil avaliar de que modo o Brics avalia seu posicionamento na liderança de governança global dentro de um cenário internacional que parece se ressentir de sua falta. Seria oportuno que o Brics ocupasse esse espaço, pois com certeza iria calar as críticas de que é apenas um grupo que defende seus interesses nacionais. Ao demonstrar sua capacidade de fazer frente ao desafio, o Brics indicaria que não só se dispõe a se tornar um formatador da arquitetura de governança global, mas também a influenciar as normas, valores e princípios que moldam suas interações em nível internacional.

O tempo parece maduro para que os países do Brics demonstrem que estão dispostos a se tornar elaboradores de regras de governança global, indo além da retórica usual. É do interesse deles tomar esse caminho, pois assim terão a oportunidade de afirmar sua autoridade na reformulação das regras da agenda de governança global, para que se adaptem melhor às necessidades dos pobres, dos marginalizados e dos despossuídos.

 

Sanusha Naidu é pesquisadora associada do Institute for Global Dialogue (IGD), com sede na Cidade do Cabo, África do Sul.
E-mail: sanusha.naidu@gmail.com

 

 

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