O Brics não está em crise, mas precisa de novos caminhos

Brics é um instrumento de transformação pacífica da ordem mundial, visando torná-la policêntrica tanto na economia quanto no terreno político.

No entanto, a primeira década da história do Brics não produziu uma clara compreensão da meta final do grupo. Além disso, o Brics é constantemente objeto de apreciações negativas por parte dos países desenvolvidos. As críticas se baseiam na deterioração da situação econômica que ocorre em alguns países-membros do grupo e em problemas políticos, especialmente no Brasil, assim como em contradições entre alguns de seus membros, especialmente entre China e Índia. Por isso, o Brics tem sido visto por muitos observadores ocidentais como um organismo em “crise”.

É verdade que há pouco espaço para que o Brics se desenvolva de uma maneira “extensiva”, produzindo mais formatos de cooperação e discussões. Portanto, a necessidade de desenvolvimento intensivo em determinadas áreas é óbvia para que o Brics se torne uma “união de reformadores”. O objetivo é mudar os países do Brics, para que deixem de ser “objeto de regras” e passem a ser “elaboradores de regras”, apesar do menor dinamismo da economia mundial.

Há duas abordagens para a estratégia e as metas do Brics na governança global. A primeira é fortalecer quantitativamente as posições dos países do Brics com base em seu lugar anteriormente adquirido dentro do atual cenário da economia global e do sistema financeiro. O aumento das cotas do FMI e o papel cada vez maior do Brics no G20 e em outros formatos são prova disso. No entanto, se não houver modificação do modus operandi do sistema de governança internacional e de seus organismos, há o risco de que os países ocidentais usem suas experiências, pessoal e soft power, para continuar sendo o centro do agendamento e, a longo prazo, forçar a introdução de decisões que lhes sejam benéficas.

Outra opção é impor novas regras do jogo, nichos de regulação internacional ou estruturas “espelho” correspondentes. As primeiras dessas instituições foram o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Arranjo Contingentes de Reservas (Contingent Reserve Arrangement, CRA). No entanto, não há um mecanismo para coordenação de estratégias, a não ser os encontros regulares nas cúpulas e em níveis inferiores.

Merece ser destacado que a agenda política está sendo cada vez mais discutida no interior do Brics. Os canais relevantes (por meio de ministros do Exterior e autoridades de segurança) já foram criados, e ao longo dos três últimos anos tem havido cláusulas nos documentos finais relacionadas à política. O Brics, portanto, torna-se principalmente um projeto político, e não um projeto global puramente econômico.

É vital criar um mecanismo para elaborar coletivamente e promover uma posição unificada do Brics dentro das instituições internacionais, que inclua sugestões conjuntas para a ONU e a elaboração de respostas conjuntas a desafios relacionados a “questões globais comuns”.

Isso torna a questão da institucionalização uma das mais importantes, embora controversa, a respeito do futuro do Brics. Há vários cenários para a construção do perfil institucional do Brics e de suas capacidades.

Os cenários otimistas veem o Brics como um agrupamento político e econômico sólido, com um mecanismo de coordenação exercendo considerável influência no sistema internacional de paz e segurança, assim como enfrentando desafios globais a partir de pontos de vista comuns e coordenados.

O cenário pessimista é o de ver o Brics “degradar-se” na condição de uma mera oportunidade de aparecer em fotos da mídia, ou em um local para reuniões setoriais, ou mesmo a perspectiva de vir a se dissolver.

Um cenário realista deve situar-se em algum ponto entre esses extremos, com a maior ênfase recaindo nas questões econômicas e sociais, como as menos contraditórias. O cenário realista poderá se aproximar mais do cenário otimista caso se alcance consenso em instituições bem definidas criadas na área da paz e da segurança – similares ao NDB e ao CRA. Mas, até o momento, os países ficaram intimidados para criar quaisquer organismos supranacionais, já que a soberania é a base da sua política externa e eles não desejam conceder mesmo uma pequena fração de sua tomada de decisões independente a um grupo.

Existem vários estágios de institucionalização, partindo dos níveis inferiores aos mais altos: Primeiro, limitar-se a trabalhar permanentemente o Secretariado Técnico do Brics; o segundo, a criação de Órgãos Conjuntos do Brics, tais como: mecanismos de apoio ao funcionamento permanente de órgãos domésticos, instituições, empresas e a comunidade epistêmica; uma comissão multilateral intergovernamental sobre economia, cooperação científica e tecnológica, chefiada por representantes de primeiros-ministros; uma secretaria técnica permanente; subcomissões/grupos de trabalho; um Instituto de Estudos, para análise conjunta da economia internacional, a fim de elaborar um “consenso do Brics”.

Também é crucial cuidar da questão de uma possível ampliação do Brics e de suas relações com outros países emergentes dentro do contexto global. O mecanismo único de “assistência”, que desde 2013 une os parceiros regionais no encontro anual do Brics, deve ser modificado para um arranjo mais permanente.  Pode surgir daí o status de observadores permanentes e parceiros de diálogo (Brics+) (incluindo uma rede de organismos consultivos setoriais).

 

George Toloraya é diretor-executivo da Comissão Nacional Russa de Pesquisa sobre o Brics e professor da MGIMO – Moscow University of International Relations. Ex-diplomata, é especializado em Ásia, e livre-docente em Economia.

 

 

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