Por Evandro Menezes de Carvalho*
A 19ª Cúpula de Líderes do G20, realizada no Rio de Janeiro em 2024, marcou um momento crucial para o cenário global em um contexto de desafios econômicos, climáticos e geopolíticos. Sob a liderança do Brasil, o evento que reuniu delegações de 40 países trouxe alguns avanços, mas também evidenciou as limitações de um fórum que busca equilibrar interesses tão diversos de países também diversos.
A Cúpula deste ano foi marcada, sobretudo, pelo consenso em torno da Aliança Global contra a Pobreza e a Fome que contou com a adesão de 82 países. Este era um dos temas centrais proposto pela presidência brasileira do G20 no Rio de Janeiro e que havia sido anunciada durante a Cúpula do G20 em Nova Delhi. Na ocasião, o presidente brasileiro havia anunciado a criação de uma força-tarefa com o objetivo de angariar
recursos para a implementação de políticas públicas comprovadamente eficazes para a redução da fome e da pobreza no mundo. O que se pretende é reverter o evidente retrocesso no cumprimento dos dois primeiros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, quais sejam, a erradicação da pobreza, a fome zero e agricultura sustentável.
O Brasil tem preocupações legítimas com a questão da pobreza e tem um dever de casa a ser feito. Segundo dados do Relatório de Riqueza Global 2023 (Global Wealth Report 2023), divulgado pelo banco suíço UBS, 48,4% da riqueza brasileira está nas mãos de apenas 1% da população, os “super-ricos”. O Brasil é um dos países com maior desigualdade econômica. Esta realidade brasileira é espelho do que se constata no mundo. Segundo aquele Relatório, cerca de 1% da população global detém mais de 45% da riqueza total do mundo, enquanto os 50% mais pobres possuem menos de 2% da riqueza global. Segundo as Nações Unidas, quase 800 milhões de pessoas passam fome no mundo, ou seja, quase uma em cada dez pessoas não tem o suficiente para comer.
No conjunto dos esforços para fazer frente ao problema da fome, o Brasil conseguiu incluir no comunicado final da Cúpula uma menção inédita à importância da tributação progressiva dos “super-ricos”. Esta proposta havia sido incluída na declaração dos Ministros das Finanças do G20 e tinha como objetivo utilizar os recursos arrecadados para as iniciativas de combate à fome e em ações ambientais. Na Cúpula dos Líderes do G20 tentou-se aprovar, sem sucesso, uma proposta de uma taxa mínima global de 2% sobre a fortuna de bilionários. Este imposto único alcançaria apenas cerca de três mil pessoas em todo o mundo e com um potencial de arrecadação em torno de US$ 250 bilhões. Havia resistências dos Estados Unidos e da Argentina. Apesar destas resistências, a 19ª Cúpula do G20 teve ao menos o mérito de colocar o tema da taxação dos super-ricos na agenda dos principais líderes do mundo.
Mas, para resolver o problema da fome, é preciso enfrentar as desigualdades globais que se manifestam de diversas formas e podem ser evidenciadas por uma série de dados e indicadores que refletem as disparidades em riqueza, renda, acesso a recursos, educação e saúde entre os países. Assim, por exemplo, a expectativa de vida em países ricos supera os 80 anos de idade, contrastando fortemente com a de países mais pobres, como o Chade (54 anos). Países como Noruega têm um gasto per capita em saúde superior a US$ 9.000 anuais, enquanto na República Centro-Africana o valor é inferior a US$ 20 anuais. O consumo de recursos também reflete desigualdades. Países ricos emitem em média 14 ton de dióxido de carbono (CO2) por pessoa anualmente. A taxa de emissões per capita dos EUA é o dobro da chinesa e oito vezes maior que a da Índia. Os 10 países que são maiores emissores de CO2 ainda são responsáveis por 76% das emissões globais. Países pobres emitem menos de 1 ton per capita, mas enfrentam impactos mais severos das mudanças climáticas. Tendo isto em conta, um dos êxitos desta Cúpula de 2024 foi o compromisso conjunto para acelerar a transição energética global, com foco no apoio aos países em desenvolvimento. O Brasil desempenhou um papel central ao propor mecanismos de financiamento que equilibrassem responsabilidade histórica e capacidades presentes, incluindo um fundo específico para ajudar economias emergentes a abandonar o uso de combustíveis fósseis.
A desigualdade econômica global decorre do acesso desigual a recursos, infraestrutura e oportunidades de desenvolvimento. A Cúpula do G20 deste ano acertou ao incluir como um dos temas centrais o aumento da participação dos países do Sul Global em instituições-chave. A criação de uma plataforma de colaboração entre países em desenvolvimento para inovação tecnológica e agricultura sustentável, garantindo maior protagonismo às nações do hemisfério sul nas decisões globais, bem como a adoção de medidas para melhorar a representatividade de economias emergentes em instituições financeiras globais, como o FMI e o Banco Mundial, foram decisões que fortalecem a cooperação Sul-Sul. Neste G20 adotou-se um “Roadmap Towards Better, Bigger and More Effective MDBs” com o compromisso de se promover reformas internas dos bancos multilaterais.
Podemos afirmar que esses avanços justificaram o propósito da Cúpula do G20 neste ano de 2024? No atual contexto internacional, consensos alcançados e iniciativas comuns postas em prática já são motivos para comemorar. Mas é importante ter em conta que a Cúpula foi marcada por tensões entre grandes potências, como Estados Unidos, China e Rússia. Questões relacionadas à guerra na Ucrânia, ao comércio global e à governança da inteligência artificial limitaram avanços concretos nestas áreas estratégicas. Embora tenha havido progressos, organizações ambientais criticaram a falta de metas mais ambiciosas para a redução de emissões. A ausência de um consenso sobre a eliminação do carvão em países desenvolvidos e emergentes foi apontada como um obstáculo significativo. Temas como a regulamentação do mercado de dados e o impacto da tecnologia no emprego foram amplamente ignorados, refletindo a dificuldade do G20 em responder de forma abrangente às transformações da economia digital.
A 19ª Cúpula do G20 no Rio de Janeiro foi um reflexo das complexidades do mundo multipolar em que vivemos. Apesar dos avanços em áreas como transição energética e reforma financeira, as divergências geopolíticas e a ausência de metas mais robustas em questões climáticas destacam as limitações do fórum. A cúpula reforça a importância do G20 como espaço de cooperação global, mas deixa claro que os avanços exigirão mais esforço, negociação e comprometimento nos próximos anos.
*Editor-Chefe da revista China Hoje, professor de direito internacional da UFF e da FGV.
Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.
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