Xi e a Nova Estratégia de 24 Caracteres

Por Evandro Menezes de Carvalho*

O 20º Congresso do Partido Comunista da China, ocorrido em outubro de 2022, não foi só o evento mais importante do calendário político chinês, mas também o que atraiu maior atenção do público internacional. Isto se deve ao fato de a China ser a segunda maior economia do mundo e o maior parceiro comercial de mais de 140 países e regiões. As decisões do Partido impactarão não só diretamente a vida dos 1,4 bilhão de chineses, mas também a vida dos povos de vários países que mantêm relações de cooperação com a China. Afinal, nenhum grande problema global – seja ele econômico, climático, de saúde pública, etc. – será solucionado sem a participação e a contribuição da China.

Mas há um segundo motivo pelo qual o 20º Congresso do Partido mereceu atenção internacional. A política externa chinesa no governo de Xi Jinping tem desenvolvido uma assinatura própria ao introduzir novos conceitos, métodos e iniciativas que refletem o modo chinês de estabelecer relações internacionais. A Iniciativa “Cinturão e Rota”, a Iniciativa de Desenvolvimento Global, a Iniciativa de Segurança Global, a defesa da democratização do sistema internacional são exemplos de propostas que trazem consigo uma visão de mundo muito mais abrangente e convergente com as demandas dos países em desenvolvimento se comparadas com as propostas do Ocidente.

Vale recordar que foi no 19º Congresso Nacional do PCCh, em 2017, que Xi Jinping anunciou o socialismo com características chinesas para uma nova era, oferecendo a “sabedoria chinesa” e a “abordagem chinesa” para ajudar a “resolver os problemas que enfrenta a humanidade”. É notório o fato de a China estar fazendo maiores contribuições para a humanidade. Se tomarmos a Organização das Nações Unidas como exemplo, enquanto os Estados Unidos mostram-se relutantes no cumprimento de suas obrigações financeiras, acumulando dívidas relativas aos fundos regulares e de manutenção de paz da ONU, a China tem se mostrado mais responsável no cumprimento de seus compromissos com a organização internacional. Além disso, a China é, atualmente, o segundo maior contribuinte financeiro para as operações de manutenção de paz da ONU e o maior fornecedor de forças de paz entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, com 40.000 pacificadores em mais de 30 missões de paz.

Considerando que os tempos atuais estão a exigir da nação chinesa uma “postura inteiramente nova” – tal como disse Xi Jinping no 19º Congresso do Partido –, o relatório apresentado por ele em nome do Comitê Central neste 20º Congresso, em 2022, trouxe o que me pareceu ser uma atualização da “Estratégia de 24 Caracteres” que Deng Xiaoping havia sugerido em 1991. Visando melhor adaptar o marxismo para o contexto chinês e para as necessidades dos tempos atuais, Xi Jinping declarou que se deve (1) persistir na supremacia do povo; (2) persistir na autoconfiança e autossustentação; (3) persistir nos princípios fundamentais e na inovação; (4) adotar uma abordagem orientada para o problema; (5) persistir na visão sistemática (6) manter uma visão global (人民至上,自信自 立,守正创新,问题导向,系统观念,胸怀天下).

Esta nova estratégia reflete claramente o novo momento da China. Diferentemente da época de Deng em que as turbulências internacionais poderiam prejudicar a implementação da política de reforma e abertura e, por este motivo, recomendava uma maior discrição do Partido, nos tempos atuais de Xi, a China tem que lidar com ameaças crescentes e explícitas contra ela, representadas pelo unilateralismo, pela hegemonia e pela mentalidade de Guerra Fria dos Estados Unidos. É compreensível que, tendo em vista este novo contexto internacional e o seu novo status de potência econômica, a China seja menos circunspecta e precise ser mais ativa. Afinal, diferentemente do período de Deng, a China hoje é mais forte no plano econômico, militar, político e cultural.

Esta “postura inteiramente nova” da China traz consigo um novo código diplomático chinês, com seus signos linguísticos e não linguísticos, sua semântica e pragmática próprias, que passam a fazer parte de seu repertório diplomático nas relações internacionais e com grande potencial para mudar aspectos que estavam bem consolidados na cultura diplomática internacional moldada, até então, pelo Ocidente. O que estamos assistindo é o surgimento de uma diplomacia típica de um país socialista, mas com características chinesas. E como disse Xi Jinping no 20º Congresso do Partido, este socialismo é formado pelas (1) contribuições do marxismo, (2) pela fina tradição da cultura chinesa e (3) pelas circunstâncias da realidade concreta da China. A chave para a compreensão da China do século XXI está aí. Quem não entendeu isto, não entende nada sobre a China e será um interlocutor defasado, inadequado e muito aquém do que os chineses esperam encontrar.

* Editor-Chefe da Revista China Hoje. Professor de direito internacional e coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio e da Universidade Federal Fluminense. Foi Senior Scholar da Universidade de Xangai de Finanças e Economia e Visiting Researcher na Universidade Fudan, Xangai. E-mail: evandro.carvalho@fgv.br

 

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