Um pioneiro em Xangai

Primeiro arquiteto brasileiro a abrir um escritório na China comemora 30 anos de carreira
Projeção do arquiteto Fernando Brandão para o Kunshan Shopping Mall, misto de hotel e residencial chinês

Referência no Brasil pelo inspirado layout interno das Livrarias Cultura, entre outros projetos icônicos para grandes marcas e empresas, o arquiteto paulista Fernando Brandão comemora 30 anos de carreira em 2018. Um livro lançado em três idiomas (mandarim, inglês e português), revisita seus textos, fotografias, desenhos e croquis de suas obras, firmando-se como um marco temporal de sua trajetória – e também de seu reconhecimento internacional.  Admirador de Portinari, Niemeyer e Burle Marx, Brandão tornou-se o primeiro profissional brasileiro do ramo a ter um escritório na China. Passou também a lecionar arquitetura em universidades chinesas. Um reflexo da formação e do portfólio construídos em solo verde-amarelo – e das portas abertas por um importante movimento do mercado chinês a impulsionar o setor de serviços.

No calor das oportunidades e dos milhões de dólares em investimentos criados pela China para preencher as lacunas desse segmento, um concurso da Expo Universal 2010 (ou Expo Xangai), com o tema “cidade melhor, vida melhor”, destacou o arquiteto. Seu projeto foi escolhido para representar o pavilhão do Brasil na feira e foi um sucesso junto ao público. A estrutura externa construída por Brandão, que remetia à natureza brasileira – Uma malha suntuosa composta em ripas verdes de pinus – atraiu mais de 2,5 milhões de visitantes, um recorde brasileiro para eventos no exterior. O espaço abrigou soluções muito bem pensadas para transmitir imagens do cotidiano, das festas, da Copa e de outros eventos tipicamente brasileiros, mostrando como o país promove qualidade de vida com sua alegria e cultura.

Formado em arquitetura e Urbanismo pela Universidade Católica de Santos (SP), em 1983, Fernando Brandão foi diretor e vice-presidente da AsBEA (Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura), acumulando prêmios, tais como o IAB (do Instituto de Arquitetos do Brasil), o AsBEA, e os internacionais IDA e RedDot Awards, entre outros. Sempre preocupado com o equilíbrio entre a tecnologia e a fluidez estética de seus projetos, norteia-se por princípios como acessibilidade, conectividade, sustentabilidade, identidade e humanidade nos ambientes que cria.

Entre nações

A atuação como professor e palestrante em Xangai, apoiada pela Beijing DeTao Masters Academy, em parceria com a Fudan University Shanghai e a Peking University, foi um convite aos arquitetos dos pavilhões mais populares da feira. Com o apoio dessas organizações, os workshops de Brandão chegaram a vários municípios chineses – entre os locais em que ministrou aulas e suas andanças, hoje o arquiteto conhece quase 100 municípios chineses. Por outro lado, a audiência recordista de sua obra na Expo lhe rendeu inúmeros projetos, o que culminou na abertura de sua firma chinesa, também em Xangai, em 2012.

Hoje o arquiteto se divide entre o escritório em São Paulo, capital, e o chinês, que emprega 10 pessoas (são oito arquitetos na equipe, que conta com cinco brasileiros). Seu visto business exige uma dinâmica agitada, de curtos períodos entre uma moradia chinesa e abrasileira, e entre as suas duas sedes criativas – no total, acaba ficando seis meses/ano em cada país.  Seus projetos, no Brasil e na China, são cada vez mais voltados para companhias chinesas, abrangendo hotelaria e turismo, áreas corporativas, comerciais e promocionais de empresas diversas, entre empreendimentos de médio e grande porte, design de interiores e fachadas.

Cultura e formação

Brandão identifica diferenças substanciais entre a China e seu país. Reconhece que a arquitetura chinesa é mais lúdica e ambiciosa, tudo é em escala muito maior, mais luxuoso e moderno, para refletir a pujança econômica local e dar suporte à expansão urbana propagada pela classe média em ascensão. Já no campo social, ele crê que os chineses são iguais aos brasileiros, sob diversos aspectos. “As pessoas são tão abertas ao diferente quanto no Brasil”, enumera um deles, a trazer vantagens para profissionais do seu segmento criativo.

Projeto arquitetônico em andamento para indústria, em Liyang

A formação abrangente dos arquitetos brasileiros (e de outras nacionalidades também) seria outro fator a abrir portas na China. “A arquitetura brasileira é mais sofisticada e genérica, enquanto na China é mais compartimentada”, explica o arquiteto. O reconhecimento desse olhar mais integrador e holístico do brasileiro sobre a arquitetura é o que torna a experiência de lecionar na China algo extremamente gratificante, ele expressa. “Os alunos valorizam essa bagagem”, conta. “Além do mais, o Brasil é bem-visto no país, eventos como a Olimpíada projetaram positivamente os brasileiros lá fora”, enfatiza. “O brazilian way of life, ou o enjoy of life que cultivamos aqui estão em alta e são modos de vida perseguidos atualmente pelos chineses.”

O desafio, de verdade, está com o governo chinês, observa Brandão. Atuando junto a universidades, o arquiteto percebe que mudar o ensino superior e mesmo a educação básica dos chineses tem sido uma busca intensa. Isso para formar profissionais capazes de realizar grandes inovações tanto em setores tradicionais da economia – o comércio e a indústria – quanto – e principalmente – no setor de serviços. Enquanto isso não acontece, “a China procura o que de melhor é oferecido pelo mundo: Estados Unidos, países da Europa e também entre brasileiros”, destaca, referindo-se à mão de obra especializada em geral.

Já no Brasil, ainda que muitos especialistas já estejam prontos para a exportação de seus serviços, há aprendizados necessários em termos de soluções para problemas urbanos e soluções técnicas para a arquitetura – algo que o olhar global e integrador dos brasileiros ainda não absorveu. Nesses quesitos, “o Brasil ainda não conhece o século XXI”, entende o arquiteto. O que também não é desculpa pata não buscar o mercado lá fora: “A gente precisa entender que o mundo é ‘pequeno’ e o Brasil não é”, reconhece Brandão, sobre a síndrome de “vira-lata” que ele vê acometer certos brasileiros.


DEMANDA INTERNA

O setor de serviços representa mais de 40% do PIB chinês, com a China tendo ocupado a sétima posição mundial no segmento. Contudo, é uma participação pequena frente à que ocorre em países considerados desenvolvidos. Com lacunas a preencher nesse segmento, para ganhar competitividade internacional e atender a crescentes demandas internas, a importação de serviços cresceu mais de 200% na China, entre 2010 e 2016, quando chegou a movimentar mais de US$ 450 bilhões, segundo informações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). As exportações do setor pelo país não equilibram a balança comercial dos serviços, movimentando, em dólares, menos da metade das importações. De 2016 para cá, o segmento se desenvolveu de maneira estável, apresentando, contudo, picos de crescimento em 2018, conforme dados divulgados por serviços de pesquisa chineses como Caixin Media e IHS Markit.

Impulsionado pela explosão urbana ocorrida a partir de 2011 e pelo crescimento da manufatura chinesa, o maior desenvolvimento do setor de serviços na China também é visto como solução para aquecer a economia do país, sobretudo no mercado internacional, superando perdas em outros setores. A qualidade dos serviços chineses é o desafio que leva a tantas importações e a políticas que auxiliem na formação de um sólido corpo técnico e ambiente capazes de produzir as inovações necessárias para manter o atendimento interno e melhorar o seu desempenho no exterior. Turismo, mercado imobiliário, e-commerce e franquias aparecem como frentes de potencial expansão, atraindo investidores e profissionais liberais estrangeiros.


PRESENTE CHINÊS

O lançamento do livro trilíngue Belonging: Always!, de Fernando Brandão (produzido pelo braço editorial do DeTao Group), no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, capital, foi agendado para novembro deste ano. Na publicação estão registrados seus trabalhos de identidade visual, instalações, estandes, expografias, mostras de arquitetura e outros projetos idealizados para grandes marcas, como Itaú, Perdigão, Giroflex, Deca, Sesc SP, H. Ster e, claro, Livraria Cultura – cujo processo de criação em seu interior se apresenta devidamente esmiuçado.

Com tiragem limitada a mil exemplares e 768 páginas, o livro tem formato inusitado, que transforma a obra em um objeto de design que permite afeto. “Hoje em dia, todos leem arquitetura em pequenos formatos, como nas fotos do Instagram. Esse livro, também em pequeno formato, é um presente ao estilo chinês, que busca transmitir gratidão, respeito, consideração e generosidade”, explica o arquiteto.

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