A Conferência sobre o Diálogo das Civilizações Asiáticas (CDAC), a primeira da Ásia, foi um grande encontro com foco no tema dos intercâmbios intercivilizacionais e aprendizado mútuo para uma comunidade com um futuro compartilhado, realizado em maio último na China. Milhares de pessoas de todo o mundo participaram da conferência em Pequim.
“Distintas civilizações não estão destinadas a entrar em conflito não estão destinadas a entrar em conflito”, disse o presidente Xi Jinping em seu discurso na cerimônia de abertura do CDAC. “A intensificação dos desafios globais que a humanidade está enfrentando exige esforços concertados de países em todo o mundo”, disse o presidente, destacando o papel da cultura no enfrentamento destes desafios.
O evento de uma semana incluiu painéis de discussão, Carnaval da Cultura Asiática e Semana da Civilização Asiática envolvendo mais que 110 atividades para mostrar a diversidade e a riqueza das civilizações asiáticas.
Thomas S. Axworthy, secretário-geral do Inter Action Council e professore na Universidade Zhejiang, esteve presente e escreveu este artigo para a China Hoje.
Em 2015, o presidente chinês Xi Jinping apresentou uma importante ideia no Fórum Boao para a Ásia ao convocar uma conferência de diálogo entre as civilizações asiáticas. Em maio de 2019, esta ideia foi concretizada com uma conferência realizada em Pequim, com foco em seis sessões paralelas de múltiplas plataformas, destinadas a promover intercâmbio e aprendizagem mútua entre os delegados, assim como a celebrar as contribuições das civilizações asiáticas por meio de um festival gastronômico, um carnaval cultural e reuniões de jovens.
Essa iniciativa deve ser festejada por duas razões: primeiro, pela decisão do presidente Xi Jinping de destacar o conceito de civilização, uma das construções mais importantes e mais debatidas da história mundial. Segundo, porque a ênfase é no diálogo e na mútua aprendizagem, um processo extremamente necessário num mundo interligado pela internet, propenso a erros de cálculo, à adoção de estereótipos e, às vezes, a rotundos enganos.
Os seres humanos têm múltiplas identidades e lealdades – a si mesmos, à família, à comunidade, ao estado nacional e também ao mais amplo de todos, a conexão com um conjunto de valores, com uma história compartilhada e com costumes e instituições comuns, muitas vezes mais amplos do que os limites de qualquer estado individual. Arnold Toynbee, o historiador britânico que escreveu uma obra em 12 volumes, Um Estudo da História, organizada em torno de 21 diferentes civilizações mundiais, afirmou que “civilização é uma obra de arte” e que os componentes desta construção artística costumam incluir formas altamente desenvolvidas de governo, urbanização, cultura, riqueza, língua e religião. A China é uma civilização assentada nos limites de um estado, por exemplo, mas a civilização chinesa exerceu impacto na Coreia, em Singapura, na diáspora chinesa e ao longo de boa parte de sua história, no Japão. A civilização ocidental é composta por muitos Estados, na Europa e América do Norte, e estende-se até Austrália e Nova Zelândia. Começando com o indivíduo e a família e acrescentando camada por camada de diferentes organizações, sociedades e comunidades, a civilização é a ideia ou construção secular mais ampla e mais ambiciosa que a humanidade já concebeu.
Fernand Braudel, autor de Uma História das Civilizações, escreve poeticamente: “Civilizações, como dunas de areia, estão firmemente ancoradas nos contornos ocultos da terra”; e que “Aquilo que chamamos civilização é o passado distante e muito distante apegando-se à vida e determinado a se impor”.
Toynbee escreveu a respeito de 21 civilizações, mas a maior parte delas não sobreviveu para influenciar os tempos modernos. Duas da Ásia resistiram e prosperaram, e estão entre as mais antigas e influentes civilizações da história mundial, com dois dos pensadores mais seminais que o mundo já produziu. No século 5 a.C., o mundo experimentou uma era axial ou um ponto de inflexão: moldando este movimento, houve o impressionante e quase simultâneo surgimento de Sidarta Gautama (563-480 a. C.), o Buda, e de Confúcio (551-479 a.C.), cujas visões e ética influenciaram o mundo desde então.
A índia tem uma das civilizações mais antigas do mundo, a civilização Harapa do Vale do Rio Indo, que durou mil anos, de 2500 a 1500 a.C. Tinha cidades como Mohenjo-Daro, com populações entre 30 ml e 60 mil habitantes, uma escrita (ainda não decifrada), uma grande base agrícola e instalações sanitárias sofisticadas. A civilização do Vale do Indo foi conquistada pelos arianos (cerca de 1500 a.C.), e eles por sua vez introduziram os Vedas, os livros sagrados da civilização Hindu (entre 1200-200 a.C.).
A Índia também foi o lar de um dos mais influentes pensadores da história mundial, Sidarta Gautama, que quando jovem abandonou seu lar privilegiado e iniciou viagem em busca de maior compreensão da vida ou de iluminação. O budismo desde então tem ensinado que a iluminação de Buda pode ser alcançada por todo ser humano por meio do desenvolvimento de qualidades de caráter como a sabedoria e a compaixão. A compaixão é uma empatia ativa ou uma disposição de levar em consideração a dor dos outros. O ideal de Buda era a eliminação do sofrimento e esta postura ética tem animado líderes transformadores como Mahatma Gandhi, que libertou a Índia do domínio colonial britânico.
As dinastias Shang e Zhou da antiga China desenvolveram-se junto ao Rio Amarelo, do mesmo modo que a civilização Hindu foi alimentada pelo rio Indo. A dinastia Shang desenvolveu a escrita, um governo e uma tecnologia baseada no bronze. A escrita oracular da dinastia Shang é a forma de escrita chinesa mais antiga. A dinastia Zhou, que sucedeu a Shang em 1100 a.C., foi marcada pela chegada de Confúcio, um professor do estado de Lu, que sonhou em reviver a era dourada do duque de Zhou, uma fase de prosperidade que teve lugar quinhentos anos antes do nascimento do filósofo chinês. A educação é a essência da ética prática encontrada nos Analectos, livro que narra a história da dinâmica e dos instigantes intercâmbios de pensamento entre Confúcio e seus discípulos. A educação enseja a transformação d espírito humano por meio da música, do ritual, da caligrafia e da aritmética, e também por meio do esclarecimento da mente. A sociedade é uma família estendida, na qual a harmonia deve predominar por meio do autocultivo e da contenção. De fato, a ênfase na família é ainda um dos principais aspectos da civilização chinesa, onde hoje a família estendida continua a ser o ideal chinês, em contraste com a prática ocidental de enviar os parentes idosos para viver em instituições assistenciais. E como seria possível alcançar esta harmonia? Diante da questão “Existe uma palavra que possa guiar a pessoa pela vida?”, o mestre respondia: “A reciprocidade – nunca imponha ao outro o que você não escolheria para si mesmo”.
Iluminação, compaixão, educação, harmonia, autocontenção e a regra áurea da reciprocidade, são estas as ideias transformadoras e o legado das civilizações asiáticas.
A conferência de maio de 2019 sobre civilizações asiáticas não só avaliou em detalhe estas contribuições que a Ásia deu ao mundo, mas teve o propósito de incentivar o diálogo e a aprendizagem mútua. Este objetivo contrasta imensamente com outras abordagens que têm sido adotadas em relação ao conceito de civilização como lente para apreciar a história mundial.
O ressurgimento da civilização como uma construção organizadora nas relações internacionais deve-se em grande parte ao impacto das ideias do cientista político americano Samuel Huntington. Em seu influente livro de 1996 O Choque das Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial, Huntington escreve: “O tema central deste livro é que a cultura e as identidades culturais, que em seu nível mais abrangente são identidades civilizacionais, estão moldando os padrões de coesão, desintegração e conflito no mundo pós-Guerra Fria”. Huntington acreditava que as linhas de cisão entre as diferentes civilizações seriam a fonte primária de conflito no mundo do século 21. Ele intitulou um de seus capítulos, por exemplo, “O Ocidente e o Resto” (The West and The Rest).
Do mesmo modo que Huntington, o InterAction Council, em meados da década de 1990, também reconheceu a diversidade das civilizações mundiais, mas ao contrário do pesquisador americano, não colocou foco nas linhas de cisão. Numa publicação intitulada Bridging the Divide (Reunindo o Dividido), o Conselho procurou olhar para a base ética comum das grandes civilizações mundiais, Helmut Schimidt, que foi chanceler da Alemanha e fundador do Conselho, escreveu: “O choque de civilizações pode ser evitado”.
Schimidt e seus colegas enfatizaram que a ética e a responsabilidade eram uma conexão-chave entre as civilizações mundiais, e sob a orientação de Schimidt, o Conselho expediu em 1997 a Declaração Universal das Responsabilidades Humanas, uma tentativa de equilibrar direitos e obrigações, que toma por base todas as civilizações e fés religiosas do mundo.
Civilização é um conceito poderoso. As civilizações asiáticas deram tremendas contribuições ao avanço mundial e especialmente ao desenvolvimento de uma ética mundial. A aprendizagem mútua e o diálogo, não as linhas de cisão e o conflito, são os objetivos do encontro em Pequim em 2019 e são também as metas que o InterAction Council vem apoiando há muito tempo. A história do mundo é a história das civilizações, e o futuro do mundo irá depender do maior conhecimento mútuo entre estas civilizações e de que elas encontrem uma base para a cooperação comum.
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