A presença chinesa, expressa em comércio, investimento direto externo e financiamento, tem sido constante e reconfiguradora do padrão de comércio internacional. Essa presença é resultado de bem planejada articulação entre grandes empresas state-owned e as instâncias do governo central chinês, expressas em sucessivos planos quinquenais. Desde o lançamento da contundente estratégia go out, nos primeiros anos do século XXI, os investimentos de empresas chinesas têm se expandido também a países desenvolvidos.
A modalidade Fusões e Aquisições (F&A) – da qual a China sempre foi grande utilizadora e tirou proveito como nenhuma outra economia – cresceu 137%, na América do Norte, e 98% na Europa. África e América Latina continuam sendo lembradas nos estudos e análises mais respeitadas como países de dotação em recursos naturais cujo espaço na internacionalização das empresas chinesas seria de meros provedores de acesso a recursos naturais. É bem verdade que até recentemente as importações chinesas de commodities agrícolas e minerais, mais o petróleo, trouxeram aos países latino-americanos um alento a sua histórica restrição externa, permitindo-lhes expansões da demanda, sem deflagrar desequilíbrios internos e externos. Para ilustrar, entre 2005 e 2013, o fluxo de IDE da China para América Latina cresceu de US$ 3,8 bilhões para US$ 16 bilhões, tendo, neste período, acumulado US$ 101,8 bilhões na região – 12,7% do total acumulado pela China no mundo. Porém, os países latino-americanos tenderam a reforçar sua especialização em recursos naturais – a China é o principal comprador de soja do Brasil e Argentina, por exemplo –, o que estimulou indagações sobre os reais interesses chineses nas economias em desenvolvimento. Mesmo com a reversão do ciclo de preços altos de commodities, o ânimo chinês de unir as economias em desenvolvimento sob sua governança se manteve, a exemplo das negociações no âmbito do Brics e do contexto da iniciativa Cinturão e Rota e do plano Made In China 2025 (MIC 2025). Essas iniciativas devem consubstanciar o ‘sonho chinês’, colocando a China em posições mais altas nas cadeias globais de valor. Promover infraestrutura de conexão física (BRI) contribuiria com o fortalecimento da comercialização e distribuição e as metas do MIC 2025 devem colocar a China na posição de nação inovadora e não mais imitadora. Dados do Ministério do Comércio chinês já mostram que entre 2014 e 2015 o IDE chinês no exterior em indústria (transporte, telecomunicações) cresceu de US$ 6,5 bilhões para US$ 11,7 bilhões enquanto na indústria manufatureira o crescimento foi mais substancial: de US$ 2,8 bilhões, em 2014, para US$ 7 bilhões, em 2015. É uma reconfiguração da estratégia chinesa de internacionalização (go global). Podemos afirmar que o acesso da China aos recursos naturais já está implementado e o passo seguinte, que está em transcurso, é fortalecer a presença das empresas chinesas em setores de alta tecnologia, com o fortalecimento da marca chinesa, o desenvolvimento da manufatura inteligente e expansão de serviços de alto valor agregado. Sua estratégia go global permanece combinando elementos empresariais (state-owned enterprises) e de programas nacionais de desenvolvimento, como BRI e MIC 2025. Porém, são postos novos elementos como a cooperação técnica internacional, construção de centros de P&D e serviços globais de comercialização e distribuição, bem como integração produtiva industrial promovida por investimentos em infraestrutura e a construção de zonas industriais em outros países. A posição que os países em desenvolvimento, o Brasil e demais países latino-americanos tomarão nesse ‘novo go global’ precisa estar pensada e articulada.
A presença chinesa na região não vem acompanhada de intervenções diretas nem mesmo de condicionalidades. Isso não quer dizer que a China não encare América Latina no âmbito de sua governança global, logo, suas questões geoeconômicas e geopolíticas. Na última década, os convites à cooperação com países da região foram crescentes e a China assinou cinco acordos de cooperação técnica – em defesa, satélites, manufatura, treinamento de profissionais em Big Data, aviação civil, serviços de tecnologia – com o Brasil e um com a Argentina. Esses acordos preveem compartilhamento de informação, recrutamento, intercâmbio de conhecimento, compartilhamento de propriedade intelectual. Brasil e Argentina começaram a receber mais investimentos de empresas chinesas dos setores de energia nuclear e química. Sem contar a infraestrutura, como o projeto da ferrovia bioceânica ligando Brasil ao Peru, dentre outros. Chile e Peru, ambos com saída para o Pacífico, são os únicos países da região com os quais a China assinou acordo de livre comércio. Xi Jinping, em 2016, na Celac, mencionou que há uma conexão entre o ‘sonho latino-americano’ e o ‘sonho chinês’. No entanto, essa conexão permanece sendo construída pelos movimentos da China, sem se observar um plano comum das economias do continente. O sonho latino-americano está mais claro para os chineses do que para os latino-americanos.
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