O que esperar da Cúpula em Brasília?

Em um cenário internacional adverso, o Brasil irá participar pela primeira vez sob novo governo

 

A primeira década do Brics finda-se em um contexto internacional diferente daquele dos seus anos iniciais. Quando da sua criação, os países do Brics mantinham taxas de crescimento elevadas e gozavam de maior estabilidade política e social. A crise econômica de 2008, que teve como epicentro os Estados Unidos, fez surgir a necessidade de uma maior participação das economias emergentes no processo de definição dos rumos da economia mundial. Hoje, 10 anos após a sua primeira Cúpula, o Brics enfrenta um contexto diverso no plano doméstico e adverso no plano internacional.

Há riscos de uma nova crise da economia mundial em razão da tendência atual de expansão do protecionismo. Relatório do Banco Mundial indica que a economia global deve desacelerar para 2,9% neste ano de 2019 por causa do enfraquecimento do comércio e da redução dos investimentos. A política externa protecionista e unilateralista dos EUA sob o governo do presidente Donald Trump, submetida ao princípio do “America first”, juntamente com as tensões políticas dos EUA com a Rússia e a guerra comercial e tecnológica contra a China, trazem ainda mais incertezas quanto ao futuro da economia e da própria ordem internacional. No plano doméstico, apenas China e Índia mantém patamares de crescimento alto do PIB, mesmo se as compararmos com as economias desenvolvidas. E todos os cinco países enfrentam problemas internos de naturezas diversas. Diante deste cenário, o que se pode esperar desta Cúpula no Brasil?

A Cúpula deste ano é o primeiro evento internacional de grande porte para o governo Bolsonaro, que está em seu primeiro ano de mandato. Há expectativas quanto ao nível de engajamento do Brasil no Brics, ou seja, se ele será menos ou mais ativo no grupo. Alguns fatos da política externa do novo governo brasileiro justificam esta dúvida. Nos primeiros meses de mandato, o presidente Bolsonaro visitou os Estados Unidos e pediu a Donald Trump apoio para o Brasil ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como o “clube dos ricos”. E, mais recentemente, os Estados Unidos designaram o Brasil como aliado militar preferencial do país fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Estes dois fatos podem ser interpretados como uma escolha do Brasil por uma política mais voltada para o Ocidente, e menos para o Oriente; ou mais voltada para o Atlântico e menos para o Pacífico.

Tal conclusão parece ser, ainda, precipitada. Segundo dados do Ministério da Economia do Brasil, se o volume de comércio do Brasil com os EUA no acumulado de janeiro a agosto deste ano de 2019 foi de US$ 39,7 bilhões, com a China o comércio bilateral alcançou a cifra de US$ 65,2 bilhões. Na balança comercial com os EUA, o Brasil tem um déficit de US$ 351,5 milhões; e com a China tem um superávit de US$ 17,7 bilhões. A discrepância é enorme. No âmbito do Brics, a balança comercial do Brasil com a África do Sul é superavitária em US$ 281,9 milhões e deficitária com a Índia (US$ 805,5 milhões) e com a Rússia (US$ 1,3 bilhão). O peso do comércio com a China para a economia brasileira contrasta com o baixo volume de comércio que o Brasil tem com os demais países do Brics. Este é um padrão que se repete quando analisamos o comércio intra-Brics: a China é o principal parceiro de todos os demais países do agrupamento.

Os produtos brasileiros encontram no Oceano Pacífico a sua principal via de exportação. E uma vez que a China é o principal parceiro comercial do Brasil, é razoável supor que governo brasileiro deveria dar importância aos espaços de diálogo e iniciativas que tem em conjunto com a China. O Brics é o principal deles não só por sua dimensão econômica, já evidenciada, mas também pelo valor estratégico.

A Ásia tem se tornado a região com maior perspectiva de futuro para a economia mundial. O Brasil tem desenvolvido uma diplomacia no continente asiático que ultrapassa a abordagem bilateral quando se faz membro do Brics, fundador do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) e membro prospectivo fundador do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês). Isto dá ao Brasil a oportunidade de não só ampliar o seu comércio, como também desenvolver uma inteligência diplomática e empresarial a respeito dos países e das culturas de negócios asiáticas que pode ser decisiva para o futuro do país. É isto que têm feito os EUA, desde a política Pivot to Asia do ex-presidente Obama, bem como os países europeus. E o AIIB é o exemplo da força atrativa da Ásia. Este banco já tem como membros, dentre outros, a Alemanha, o Canadá, a Bélgica, a França, a Itália, Portugal, a Espanha e o Reino Unido. Uma das principais motivações para estes países estarem no AIIB é que o banco financiará projetos de infraestrutura que se relacionam ao megaprojeto “Cinturão e Rota” idealizado pelo presidente chinês Xi Jinping em 2013. O Cinturão e Rota alcançará o continente europeu passando por Duisburg, na Alemanha, e Roterdã, na Holanda. Por meio do Brics, o Brasil poderia assumir um protagonismo maior na compreensão e participação dos benefícios oriundos desta nova rota da seda.

E sob o ponto de vista estratégico, tendo em conta a guerra comercial e tecnológica iniciada pelos EUA contra a China, o Brasil pode, no futuro, assumir um papel de mediador desta disputa em razão da sua privilegiada posição de membro do Brics. Mas a despeito das vantagens e oportunidades, é provável que o Brasil reduza o seu engajamento em certas pautas do Brics, em especial aquelas de teor mais político, tal como o das reformas do FMI, do Banco Mundial e, sobretudo, da ONU, e dê prioridade à vertente econômica de sua agenda em razão da crise de sua economia doméstica e da inauguração da sede regional do Novo Banco de Desenvolvimento na cidade de São Paulo.

Contudo vale ressaltar, setores da sociedade brasileira que se beneficiam da relação comercial com a China estão pressionando o governo brasileiro a adotar uma política externa pragmática e flexível sem assumir um viés ideológico que reinstale a lógica binária da Guerra Fria em favor dos EUA e em prejuízo das relações com a China e o Brics. O economista Jim O’Neill, criador do acrônimo “BRIC”, em entrevista concedida para a BBC News Brasil, respondeu negativamente à pergunta sobre se seria “uma estratégia inteligente a do Brasil de optar por um alinhamento com os Estados Unidos em vez de estreitar as relações com a China”. Respondeu ele: “sob o aspecto econômico, se os países realmente tiverem que optar, e acho que o Brasil também, seriam loucos se não escolhessem a China”. Os números do comércio aqui apontados dão razão a Jim O’Neill. Mas, evidentemente, tal escolha seria contrária à defesa do multilateralismo que é tão a cara do Brics. Não se trata, portanto, de optar entre China e EUA, entre Brics e OCDE, mas de ter uma política externa coerente na defesa do multilateralismo e do desenvolvimento dos povos. E neste ano de 2019, quando o Brics inicia a sua segunda década de existência, dar atenção especial a este agrupamento é um gesto de boa diplomacia. E uma boa diplomacia é aquela que valoriza o diálogo, se sobrepõe ao uso da força como instrumento de negociação, respeita as diferenças e, sobretudo, promove o desenvolvimento dos povos.

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