As conquistas socioeconômicas da China são indissociáveis da liderança do Partido Comunista da China (PCCh) que no dia 1o de julho deste ano de 2021 celebrará os 100 anos de sua fundação. Falar da economia da China como a segunda maior do mundo, do seu êxito na erradicação da extrema pobreza, de seus avanços tecnológicos, de como a modernização de sua infraestrutura integrou o país e organizou de modo mais eficiente a mobilidade nas grandes cidades, de seu avanço no desenvolvimento de uma sociedade ecológica etc., é falar também, ainda que indiretamente, do seu modelo de governança.
Em países ocidentalizados como o nosso, o conhecimento sobre a governança da China é ainda superficial e estigmatizado porque refém de uma visão de mundo que atribui uma conotação negativa a tudo o que não se enquadra no modo ocidental de organização econômica da sociedade. O Ocidente, que atualmente parece estar em uma trajetória de reversão das conquistas iluministas, faria bem a si mesmo se ampliasse, sem preconceitos, o seu olhar sobre a China para compreender outras dimensões produtoras do desenvolvimento deste país. Para tanto, é preciso lançar luz sobre aquilo que o Ocidente insiste em deixar na escuridão por não querer admitir que o Partido Comunista da China foi o principal responsável pela revitalização da nação chinesa.
No âmbito econômico, a China ainda é vista sob a ótica de uma economia impulsionada por empresas estatais que teriam o monopólio em setores que seriam fechados para as empresas privadas. Na lista da Fortune Global 500 há 109 empresas chinesas, sendo a maioria delas estatais. Mas, desde os anos 1980, a China vem promovendo reformas destinadas a ampliar o papel do mercado. Foi naquela década que surgiu a Huawei (hoje a maior fornecedora de equipamentos para telecomunicações e líder na revolução 5G no mundo) e a Lenovo (eleita, em 2017, a marca chinesa com maior presença global).
No final da década de 1990 surgem algumas empresas que se tornaram gigantes do mercado, dentre elas, o grupo Alibaba, Tencent e Baidu. Estas três empresas, juntamente com a Xiaomi, entraram na lista das 50 empresas mais inteligentes do mundo segundo a MIT Technology Review, em 2015. Desde a crise financeira global de 2008, o setor privado da China tem se acelerado e se tornado o principal motor do crescimento econômico do país. Atualmente, o setor privado contribui com 60% do PIB chinês, é responsável por 70% da inovação e
90% das exportações.
Para os que ainda dizem que a China tem um sistema educacional que não estimula a inovação, vale lembrar que, de acordo com os dados da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, a China assumiu o primeiro lugar na corrida global de patentes em 2019 e manteve-se na liderança em 2020, superando os Estados Unidos, que ocupavam o pódio há mais de 40 anos. A China teve um aumento de 16,1% de pedidos de patentes com relação ao ano anterior, contra apenas 3% dos EUA. Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia da China, o país conta com 115 parques científicos nas universidades e mais de 1.600 incubadoras que fornecem apoio aos novos empreendedores. Atualmente,
a China tem a maior população de usuários de internet no mundo e prevê um novo crescimento na indústria de tecnologia da informação em 3,3 trilhões de yuans até 2024. Na educação, o país obteve um feito notável. No QS World University Rankings, emplacou onze universidades entre as 100 melhores do mundo. A Tsinghua University ocupa a 15ª posição, a mais bem posicionada dentre as universidades chinesas, deixando para trás universidades como Yale University, Columbia University e Cornell University.
A mais caricata visão sobre a China é aquela que afirma se tratar de um país fechado para o mundo. Entretanto, além das conquistas apontadas anteriormente que contradizem tal discurso, há ainda outros dados dignos de nota. A China, com seus 1,4 bilhão
de habitantes, tornou-se o maior contribuinte para o turismo mundial. Em 2018 foram 150 milhões de viagens ao exterior. Segundo a Organização Mundial do Turismo, os chineses ultrapassaram os americanos e os alemães como os turistas que mais gastam. Com a pandemia, o turismo se arrefeceu. Mas em poucos anos deverá retomar seu ritmo anterior. Se considerarmos que pouco mais de 10% da
população chinesa tem passaporte, há um potencial de expansão no pós-pandemia que está relacionado a outro dado importante, qual seja, a sua imensa população de classe média que já soma 400 milhões de pessoas e deverá dobrar até 2035. Trata-se de um mercado consumidor que terá impactos profundos no mercado global – o que também significará o aumento das importações chinesas e das oportunidades
de negócios dentro do país.
Atualmente, o governo chinês iniciou um processo gradual e controlado de abertura do sistema financeiro. Os investidores estrangeiros estão ávidos por entrar no crescente mercado chinês de gestão de ativos avaliado em cerca de 121,6 trilhões de yuans (US$ 18,9 trilhões). Recentemente, o Goldman Sachs estabeleceu parceria com o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC). O JPMorgan, a francesa Amundi e a britânica Schroders seguem o mesmo caminho de parcerias com bancos chineses. Desde 2016, o yuan integra a cesta de moedas de reserva do Fundo Monetário Internacional, ao lado do dólar, euro, libra esterlina britânica e o iene japonês. Esta é uma etapa essencial para a internacionalização da moeda chinesa que agora está sendo testada em sua versão digital. Segundo o fundador do Bridgewater Associates, o maior fundo de hedge do mundo, o yuan digital será mais competitivo que o dólar digital. Nesta equação, deve-se levar
em conta que a China é a maior parceira comercial de mais de uma centena de países, aumentando ainda mais as chances de as transações financeiras no comércio internacional serem feitas em yuan.
Olhando para o futuro, é preciso estar atento ao que estabelece o 14o Plano Quinquenal aprovado em março deste ano pela Assembleia Popular Nacional (o Legislativo chinês). Há uma clara orientação para o investimento em tecnologia e inovação que abre possibilidades de parcerias múltiplas com empreendedores de outros países. Do ponto de vista da governança, há uma preocupação com a sustentabilidade traduzida no crescimento com qualidade. Na abertura da 1ª China International Import Expo (CIIE), em novembro de 2018, o
presidente Xi Jinping declarou que “a inovação é o principal motor de desenvolvimento” para superar o gargalo do crescimento global.1 Na ocasião, o presidente chinês afirmou que o seu país aumentará as importações, facilitará o acesso ao seu mercado, promoverá um ambiente de negócios de classe mundial e a cooperação internacional por meio d apoio à Organização Mundial do Comércio, à Parceria
Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), ao G20, ao Brics e ao mais ousado projeto de integração econômica deste século XXI, qual seja, a Iniciativa Cinturão e Rota.
No ano do centenário de fundação do PCCh, a China celebra, também, a maior das conquistas civilizatórias que um país pode ter: a erradicação da extrema pobreza. E esta conquista só foi possível em razão do seu modelo de governança que evoluiu a partir da experiência histórica concreta do Partido e à luz da sabedoria e do modo chineses de buscar soluções, sem deixar de aprender com o mundo aquilo que fosse útil para o povo chinês. Há uma antiga lição que encontramos no fim do século XIX, quando a China ainda buscava formas de promover o seu autofortalecimento, que expressava a seguinte ideia: “ensinamentos chineses como base, estudos ocidentais para uso”. Claro que esta frase precisa ser contextualizada naquela época, mas evidencia que, diferentemente do Ocidente que rejeitou os ensinamentos chineses, a China, diante das circunstâncias vividas, procurou estudar e aprender com o Ocidente. Se o PCCh celebra seus 100 anos, é porque soube ser resiliente e paciente para aprender não só com os seus próprios êxitos e fracassos, mas também com o mundo. Ao contrário do que o senso comum apregoa, o PCCh é mais aberto para o diálogo do que se pode supor. Arrisco dizer que mais aberto que muitos partidos políticos ocidentais. E quando o mundo entender isto, terá derrubado o último e definitivo muro cognitivo que separa o Ocidente do povo chinês.
1. Xi Jinping. The Governance of China III. Beijing: Foreign Language Press, 2020, p. 237.
Por Evandro Menezes de Carvalho. Editor executivo chefe da revista China Hoje. Professor de direito internacional e coordenador do Centro de Estudos Brasil-China da FGV e professor de direito internacional da Universidade Federal Fluminense.
Caro Evandro, a ambivalência chinesa é evidente. Se há abertura gradual do mercado e do Partido, por outro lado há fechamento da imprensa. Gostaria que esse tema fosse tratado também na Revista China Hoje. Sugiro consulta ao trabalho da organização Repórteres sem Fronteiras.
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