“Dupla Circulação”, estratégia da China para uma economia saudável

Por Evandro Menezes de Carvalho*

Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, a China deverá crescer em torno de 8% em 2021. Esta projeção é bem superior àquela estimada para os demais países desenvolvidos. O prognóstico positivo para a China deve-se a diversos fatores, dentre eles, o êxito do governo chinês no controle da pandemia que permitiu que o país voltasse à normalidade do seu cotidiano de trabalho em um espaço de tempo muito menor se comparado aos países desenvolvidos. Estes, preocupados em não “sufocar” a economia com um lockdown, acabaram por fazê-lo ao manter a população em uma prolongada crise de saúde pública. Não havia remédio que não fosse amargo.

Uma China economicamente saudável é fundamental para dar início a um ciclo virtuoso de recuperação da economia global. Por mais que a retomada da economia chinesa conte com o dinamismo de seu mercado interno – cada vez mais ávido por consumo –, o fato é que o país também depende de suas exportações e, portanto, da boa saúde econômica de seus principais parceiros comerciais. Contra este cenário jogam os países que adotam medidas protecionistas no comércio internacional e que são unilateralistas na política global na defesa de seus interesses nacionais.

É nesta conjuntura de incertezas e dificuldades que o Partido Comunista da China aprovou o 14º Plano Quinquenal (2021-2025) durante a Quinta Sessão Plenária do 19º Comitê Central que ocorreu nos dias 26 a 29 de outubro deste ano de 2020. O 14º Plano deverá, ainda, ser aprovado pela Assembleia Popular Nacional no ano que vem. Trata-se de uma etapa formal importante para que os órgãos estatais comecem a atuar na direção dos objetivos ali previstos. Chamou a atenção o fato de não terem sido estabelecidas metas de crescimento do PIB chinês. Esta decisão revela uma ponderação diante do quadro de indeterminação sobre os rumos da política e da economia mundial. Mas também é resultado da decisão do governo chinês de dar ênfase ao desenvolvimento de alta qualidade e não unicamente à performance quantitativa de sua economia. O desenvolvimento verde, a segurança do consumidor e a inovação na tecnologia são um dos diversos temas que mereceram atenção.

O Partido quer melhorar a qualidade e expandir o tamanho do setor de serviços na economia doméstica para desbloquear o potencial de consumo nas mais diversas áreas. E quer fazer isto visando expandir o comércio online e promover uma maior integração entre a internet e os vários modos de consumo. Eis aí uma oportunidade promissora para parcerias com investidores estrangeiros que tenham interesse em desbravar o mercado chinês. Este direcionamento do Partido para a maior abertura do mercado interno e atração do investimento externo tem como exemplo a III China International Import Expo (CIIE) que se realizou no início de novembro, em Xangai. Só no ano passado, a CIIE, que contou com mais de 3,8 mil empresas de 181 países, movimentou US$ 71,13 bilhões em negócios pretendidos para a compra de bens e serviços em um ano. A mensagem da China é clara: ela quer importar mais e melhores produtos. Vai ficando para trás aquela imagem da China como unicamente exportadora de produtos.

É neste amplo contexto que se deve entender o conceito de “dupla circulação” mencionado pelo presidente Xi Jinping em maio deste ano. Com uma classe média de mais de 400 milhões de pessoas e uma situação internacional difícil em razão da guerra comercial e tecnológica dos EUA contra a China, a estratégia da “dupla circulação” visa fortalecer o ciclo doméstico de produção e consumo internos como foco principal do governo, mas sem ignorar o ciclo internacional sustentado no comércio exterior e nos investimentos.

Não se trata, portanto, de uma estratégia econômica destinada a “fechar” o mercado chinês para o mundo, mas impulsioná-lo visando aumentar as chances de sua contínua integração com o mercado internacional e como motor da economia global. Se no passado a economia interna chinesa dependia fundamentalmente da economia externa, hoje ocorre o contrário. Daí fazer todo sentido o Partido preocupar-se com o mercado doméstico. Podemos identificar este conceito de “dupla circulação” nas diversas medidas previstas no 14º Plano Quinquenal tais como a reforma estrutural do lado da oferta e a melhoria das cadeias industriais e de abastecimento, bem como o aumento do apoio às empresas, em particular às micro, pequenas e médias empresas.

O Relatório sobre a implementação do Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social entregue pela Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento na Terceira Sessão da 13ª Assembleia Popular Nacional, em 22 de maio de 2020, refere-se “a uma nova filosofia do desenvolvimento”. Ainda que se constate preocupações econômicas básicas, tais como a de manter o equilíbrio da balança de pagamento, pode-se ver que o 14º Plano Quinquenal baseia-se na “filosofia do desenvolvimento centrado nas pessoas”. Este, sim, é o fator mais relevante da nova economia chinesa para o pós-pandemia.

Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.

*Editor-Chefe da China Hoje. Professor da UFF e FGV. Pesquisador Sênior do Institute for Global Cooperation and Understanding (iGCU), da Universidade de Pequim.

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