Como funciona a Democracia chinesa?

As Duas Sessões oferecem uma visão detalhada da prática de governança chinesa centrada no povo
Créditos: Xinhua/Xing Guangli

Este texto foi publicado originalmente na 39° edição da Revista China Hoje. Inscreva-se no nosso Clube do Leitor, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo: https://www.chinahoje.net/clube-do-leitor/

Por Wen Qing

“Na condição de delegado da Assembleia Popular Nacional (APN), penso que faz parte da minha função servir de ponte entre o povo e o governo. Depois de coletar opiniões dos cidadãos da minha comunidade, faço sugestões ao Governo Central em nome deles”, declarou Zhu Guoping, delegado da APN há 15 anos, em entrevista à Beijing Review, durante a Quinta Sessão da 13ª APN, realizada de 5 a 11 de março últimos.

A APN é o mais alto órgão de poder do Estado. As chamadas Duas Sessões, isto é, a reunião anual da APN e do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPCh), o mais alto corpo consultivo do país, estão entre os mais importantes eventos políticos da China. Parte da mídia e dos políticos do Ocidente acredita que as Duas Sessões da China são meras “assembleias burocráticas”. No entanto, tal estereótipo nasce da falta de compreensão de como o processo todo da democracia popular chinesa funciona.

O consenso mais amplo

Vamos tomar como exemplo o relatório de trabalho do governo. No relatório deste ano, o primeiro-ministro Li Keqiang repassou as conquistas de 2021 e elencou as prioridades para 2022. O relatório foi endossado na reunião de encerramento da sessão da APN, em 11 de março. A elaboração do relatório toma por base uma ampla gama de opiniões de todos os setores da sociedade.

No final de janeiro, Li presidiu múltiplas reuniões de consulta com representantes dos setores de negócios, educação, ciência, cultura, saúde e esportes, com especialistas de diversas áreas e cidadãos comuns, afirma Xiang Dong, vice-diretor da Agência de Pesquisa do Conselho de Estado. O primeiro-ministro também trocou impressões com líderes de partidos externos ao PCCh, com membros da Federação da Indústria e Comércio da China e com indivíduos de destaque sem filiação partidária.

Ao mesmo tempo, o esboço do relatório foi enviado a governos de nível provincial, a departamentos do governo central e a corporações escolhidas, a fim de se obter um feedback. Além disso, foi lançada em 22 plataformas de mídia online a coluna Compartilhe Suas Ideias com o Primeiro-Ministro da China. Os comentários de internautas foram então compilados em 1,1 mil sugestões, algumas delas incorporadas ao relatório.

Fica nítida a maneira inclusiva e democrática com que o relatório foi formulado. Na semana das Duas Sessões, os mais de 2,7 mil delegados da APN e os cerca de 2 mil membros do Comitê Nacional da CCPPCh já haviam realizado extensivas deliberações a respeito do relatório, num esforço para encontrar terreno comum e convergência quanto aos interesses do povo. Com base nessas contribuições, foram feitas cerca de 90 revisões no relatório. Depois de obtido o consenso, os correspondentes planos de trabalho entram no estágio da implementação.

“A função principal das Duas Sessões é transformar o consenso da sociedade em leis e políticas a serem aplicadas”, declara Song Luzheng, pesquisador associado do Instituto da China, da Universidade Fudan. “É raro assistirmos a um debate acirrado durante as Duas Sessões, e os relatórios, itens legislativos e moções apresentados pelos delegados costumam ser aprovados por uma larga maioria em razão das intensas e difíceis discussões já realizadas bem antes de sua apresentação.”

Quando não é possível chegar a um consenso, as discussões e consultas prosseguem, em lugar de forçar a aprovação de uma política por meio de votação. É por isso que o processo todo de formulação da Lei de Propriedade levou 14 anos, segundo Song. Iniciado em 1993, só em dezembro de 2002 é que esse projeto de lei foi revisto pelo Comitê Permanente da 9ª APN. O texto integral do projeto de lei só foi liberado para obtenção de feedback em julho de 2005. Após seis leituras por legisladores, foi finalmente aprovado em 2007.

Cresce uma democracia das pessoas comuns

As Duas Sessões não são a única oportunidade de praticar a democracia popular de processo amplo, pois a democracia também floresce no nível mais básico. Desde 2015, o Comitê Permanente da APN começou a criar agências legislativas de assistência em nível comunitário, para ouvir opiniões e sugestões de residentes e envolvê-los no processo de elaboração das leis. O subdistrito de Hongqiao em Xangai, onde Zhu trabalhou vários anos, tornou-se em julho de 2015 um dos quatro primeiros estabelecimentos desse tipo no país.

Ao longo dos anos seguintes, Zhu e outros residentes locais participaram da revisão de mais de 30 leis, entre elas a Lei Antiviolência Doméstica, a Lei do Hino Nacional, e a Lei da Proteção de Menores, e apresentaram mais de 600 sugestões. Em 2016, por exemplo, a APN solicitou opiniões públicas sobre a Lei do Hino Nacional. Xia Yunlong, um professor de faculdade aposentado, sugeriu que os cidadãos fossem incentivados a cantar o hino nacional nos “locais e eventos adequados” para poderem expressar seu amor pela nação. Mais tarde, a proposta foi incorporada à lei, que entrou em vigor em 2017. “A elaboração de leis bateu à porta de casa das pessoas, e os residentes participam voluntariamente do trabalho. É a isso que nos referimos ao afirmar que as pessoas são as donas do país”, declarou Zhu. “A agência de assistência é um microcosmo do desenvolvimento da democracia de processo amplo.”

“O entusiasmo do povo chinês em participar dos assuntos de Estado e sua capacidade de agir são coisas que me impressionam. As pessoas estão se envolvendo no processo de tomada de decisões, em participar da legislação, compilar planos de desenvolvimento econômico e social, na gestão de um bairro residencial e na organização de tarefas variadas, como a triagem de lixo”, comenta Néstor Restivo, membro do Grupo de Pesquisa sobre a China do Conselho Argentino para Relações Internacionais.

A APN tem agora 22 agências de assistência em nível comunitário por todo o país, cobrindo dois terços das regiões de nível provincial do continente; outras irão sendo acrescentadas. Segundo estatística oficial, em agosto de 2021 essas agências haviam coletado mais de 6,7 mil opiniões e sugestões de cidadãos comuns a respeito de 115 projetos de lei e planos anuais de legislação.

A essência chinesa

A democracia não é um ornamento decorativo; deve ser usada para resolver os problemas que o povo precisa resolver, disse o presidente chinês Xi Jinping ao discursar numa conferência central sobre trabalho relacionado com as assembleias populares em 2021. Nesse discurso, Xi enfatizou que o que determina se um país é uma democracia ou não é se seu povo é de fato dono do país. “Se o povo é solicitado apenas a votar, mas em seguida entra num período de dormência, se damos a eles música e dança apenas durante a campanha, mas após a eleição eles não têm mais voz, ou se são favorecidos durante as campanhas mas depois da eleição são deixados ao relento, tal tipo de democracia não pode ser considerada uma verdadeira democracia”, prosseguiu.

O modelo democrático chinês tem demonstrado sua forte eficácia após décadas de prática e de testes. Isso está em nítido contraste com o crescente fracasso institucional e incapacidade que estamos vendo no Ocidente, afirmou Song. Nas eleições presidenciais de 2020 nos EUA, a transferência ordenada do poder chegou a ser perturbada pela invasão do Capitólio, atestando o grau de disfunção da democracia americana. Segundo declaração feita à Beijing Review por Bruce Boyes, destacado colunista da RealKM Magazine, “por meio de processos eleitorais, elege-se um lado ou outro, e isso significa que metade da
sociedade fica de vez em quando alijada do poder porque seus representantes não conseguiram
ficar do lado vencedor. E representantes eleitos tipicamente não consultam a comunidade em sua
tomada de decisões”.

Assim como consta do livro branco intitulado “China: Uma Democracia que Funciona”, divulgado pelo Escritório de Informações do Conselho de Estado no ano passado, num mundo de diversidade tão rica, a democracia manifesta-se de diversas formas. A democracia da China prospera junto com as de outros países no jardim das civilizações. A China está pronta a contribuir com sua experiência e força para o progresso político global por meio de cooperação e aprendizagem mútua.

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