Por Wang Jinxu
O verão de 2024 foi marcado por um calor extremo, tanto no hemisfério norte quanto no sul. Essa percepção foi compartilhada pelo chinês Sun Haijing, que vive no Brasil, e seus colegas recém-chegados de Beijing. Sun Haijing trabalha nos serviços pós-venda da CRRC, sigla em inglês para China Railway Rolling Stock Corp. Ao sair do Aeroporto de Guarulhos e embarcar na Linha 13 – Jade, que liga o aeroporto a zona leste da cidade de São Paulo, não conseguia deixar de relembrar como eram os vagões do metrô há cinco anos.
“Eu estava lá na cerimônia de entrega, repleta de pessoas e câmeras na plataforma, sem falar nos celulares. Ao tirar fotos, todos precisavam esticar o braço para cima.” Em setembro de 2019, Sun Haijing, de 29 anos e técnico responsável pelos testes e ajustes de composições, foi enviado ao Brasil para concluir a entrega das composições elétricas e preparar a operação delas na Linha 13 – Jade. O contrato inclui oito trens da Série 2500 do Trem Metropolitano de São Paulo e prevê cinco anos de garantia de manutenção pós-venda pela CRRC Qingdao Sifang Co Ltd, uma subsidiária da CRRC, localizada na província de Shandong, no litoral leste da China. Esta é a primeira série de origem chinesa da CPTM.
“Naquele período tive muito contato com uma engenheira de qualidade da CPTM”, recordou Sun Haijing. “O nome dela era a Juliana. Nunca perguntei seu sobrenome, mas ela fala chinês e havia acabado de concluir um mestrado em Engenharia na Universidade Central Sul da China (CSU) antes de voltar ao Brasil.” Com o objetivo de compartilhar a tecnologia e a experiência da modernização ferroviária chinesa, a CRRC abriu oportunidades de formação em instituições de ensino superior na China, especialmente para aqueles interessados em ferrovia. Até hoje, já enviou uma dúzia de grupos do hemisfério sul para o norte.
“O mercado brasileiro é um foco principal da CRRC no exterior e tem uma importância estratégica para os negócios fora da China”, afi rmou o responsável da CRRC à China Hoje. “Durante a presidência atual do Lula, as relações entre China e Brasil se tornaram mais estreitas nas áreas política, econômica, tecnológica e outras, criando um ambiente favorável para a cooperação empresarial.”
A CRRC é a maior fornecedora mundial de equipamentos de transporte ferroviário, com produtos e serviços abrangendo 116 países e regiões, incluindo Austrália, Chile, e Cingapura.
Em 2017, a empresa exportou uma série de unidades múltiplas elétricas (EMU) de aço inoxidável para a Austrália. No Chile, um contrato para construir unidades elétricas para a Chilean State Railways, empresa responsável pelas ferrovias estatais do país, foi assinado em agosto de 2023, prevendo a entrega 32 unidades de três vagões para a rede ferroviária suburbana de Santiago.
Em 14 de junho de 2023, as Autoridades de Transporte Terrestre de Cingapura concederam um contrato de veículos (CR151) do Projeto da Linha Interilhas de Cingapura à Sifang Co. Ltd. O contrato base inclui 44 trens de metrô de seis vagões, além da aquisição de 11 trens adicionais e serviços de suporte de longo prazo (LTSS), que englobam suporte técnico por 30 anos e fornecimento de peças. No âmbito do apoio tecnológico, o primeiro trem autônomo de trânsito rápido movido a hidrogênio (ART) do mundo, um novo ferroviário verde desenvolvido pela CRRC, fez sua estreia ofi cial na Malásia em setembro de 2023. Em janeiro de 2024, o “trem de metrô mais rápido da Turquia” saiu da linha na fábrica da CRRC Zhuzhou na Turquia. Para impulsionar o desenvolvimento do setor de transporte ferroviário turco, a produção da CRRC segue os princípios de fabricação, compras, mão de obra, serviços e gerenciamento locais, benefi ciando fornecedores em toda a cadeia industrial de ponta a ponta e estabelecendo novos marcos para o transporte ferroviário urbano na Turquia.
Atualmente, os produtos ferroviários que a CRRC fornece ao Brasil incluem composições elétricas, metrôs e trens de passageiros de alta qualidade. Esses veículos têm desempenhado um papel fundamental em eventos importantes do país, como a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro.
Mas o trabalho da CRRC vai além da produção de trens. Trata-se da haute couture no setor de equipamentos ferroviários.
Segundo Sun Haijing, as composições devem ser ajustadas para se adequar às confi gurações elétricas dos trilhos, permitindo assim a operação automatizada dos trens (ATO, na sigla em inglês) com paradas precisas nas plataformas. Para alcançar essa meta, Sun e sua equipe realizaram mais de cem testes e ajustes. Durante o processo, a CPTM chegou a fazer novas solicitações, pedindo que os trens de oito vagões fossem divididos em duas unidades, cada uma equipada com sistemas de freio e tração para facilitar a manutenção regular.
“O Brasil tem um verão mais longo e com temperaturas mais altas, além das chuvas muito intensas. Por isso, focamos na melhoria de funções específicas, como o resfriamento do sistema de ar-condicionado e o desempenho impermeável e hermético dos trens.”
Da linha Jade à Rubi – Todas as manhãs, o engenheiro Sun Haijing se dirige à base de manutenção na Mooca, onde, além das composições da Linha 13, são inspecionadas as frotas da Linha 7. Com a missão da linha Jade concluída, ele continuará seu trabalho na linha Rubi.
Em 29 de maio deste ano, foi assinado o contrato de concessão para construção e operação do Trem Intercidades Eixo Norte, leiloado para um consórcio formado pela brasileira Comporte e pela chinesa CRRC. A nova ferrovia, que terá um percurso de 101 km, promete oferecer uma viagem de São Paulo a Campinas com uma velocidade média de 95 km/h, podendo atingir até 140 km/h. Assim, será a ferrovia mais rápida e moderna do Brasil.
“Sempre houve um certo consenso no país de que o Brasil precisava investir mais em transporte sobre trilhos, mas havia muitas dificuldades para reunir os capitais necessários, especialmente nos anos 80 e 90”, comentou Haroldo Ceravolo Sereza, jornalista e director de redação do Opera Mundi durante a entrevista, “O Novo PAC é um instrumento do governo brasileiro para reativar projetos de longo prazo, e a realização do Trem Intercidades (TIC) demonstra que projetos sólidos conseguem sobreviver às mais complexas conjunturas.”
“Atualmente, devido à pressão econômica, o governo brasileiro tem dificuldades de financiamento, e há uma maior demanda e disposição para participar da infraestrutura por meio da introdução de capital privado, tornando as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e os projetos de concessão a forma principal nesse setor”, explicou o responsável.
O projeto Eixo Central já foi incluído no novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). “Nos 30 anos de operação, o grupo composto da CRRC e Comporte investirá R$ 14,2 bilhões, e responderá pelo desenho, financiamento, construção e operação, ligando São Paulo, Jundiaí e Campinas”, contou à China Hoje Liu Gang, presidente da CRRC Hong Kong, empresa responsável pelo projeto.
Isso implica que o papel da CRRC está se transformando de produtora de trens para operadora de todo o processo. “Aplicamos o DLS (Solução do Sistema Digital em Todo o Ciclo) neste projeto, e queríamos dar um serviço digitalizado, verde e inteligente, o que representa um aprofundamento da cooperação no local,” explicou Liu.
Segundo informações públicas, o projeto é dividido em três partes distintas: um trem expresso (TIC) ligando Campinas à estação Barra Funda, em São Paulo; um trem metropolitano (TIM) para ligar Jundiaí a Campinas, com paradas em Valinhos, Vinhedo, Louveira e Jundiaí; e a atual linha 7-Rubi da CPTM. A viagem de sul a norte levará, no mínimo, apenas uma hora, estimulando o desenvolvimento das cidades ao longo dos trilhos e promovendo a transição da velocidade rodoviária para a ferroviária.
“A ligação rápida entre São Paulo e Campinas é fundamental para os negócios que ligam o interior paulista à capital. Estima-se que sua realização gerará um total de 10,5 mil empregos. Mas um projeto como o Trem Intercidades deve não ser apenas um fim em si,” analisou Sereza, “este é um motor para o Brasil voltar a ter uma indústria de ponta na produção de carros de metrô, vagões de trem, motores e trilhos a serem utilizados nesta e em outras ferrovias, as novas ferrovias precisam ser uma ferramenta de reconstrução industrial no país.”
De 1974 a 2024 – “Ser fiel e fazer o bem, colhendo os frutos de boas ações.” Isso é o principal valor da CRRC. Em 1881, a fábrica de reparação de máquinas da Aldeia de Xuge, em Tangshan, produziu a primeira locomotiva a vapor da China, conhecida como o “Dragão” do país. Desde então, a China tem se dedicado à evolução contínua em pesquisa e desenvolvimento independentes.
Em julho de 2024, a CRRC lançou o CETROVO 1.0, o primeiro trem de metrô do mundo fabricado em fibra de carbono, desenvolvido para a Linha 1 do metrô da cidade de Qingdao, no leste da China. Além disso, em setembro do mesmo ano, foi apresentado na InnoTrans 2024, uma feira internacional líder em tecnologia de transportes realizada em Berlim, o CINOVA H2. Este trem inovador, equipado com comodidades inteligentes e movido a hidrogênio, alcança zero emissão de carbono durante toda a viagem, representando uma nova solução verde para o transporte ferroviário de passageiros não eletrificado.
No mercado brasileiro, a CRRC recebeu o primeiro pedido em 2003, referente a um trem de carga para a Vale. Uma década depois, a empresa estabeleceu a CRRC Brasil Equipamentos Ferroviários Ltda. em São Paulo. O ano de 2017 foi um marco para a empresa, com a assinatura de seu primeiro contrato com o estado de São Paulo, que envolveu uma frota de 64 carros elétricos.
Em 2022, a CRRC fez história ao exportar, pela primeira vez no Brasil, 62 carros ferroviários de passageiros. Neste ano, em Minas Gerais, o governo estadual anunciou a compra de 24 novos trens pela concessionária Metrô BH, e a empresa chinesa já iniciou o projeto de fabricação. A expectativa é de que o primeiro trem chegue ao Brasil e entre em operação no primeiro semestre de 2026.
Além de suas atividades comerciais, a CRRC tem se dedicado ativamente a cumprir sua responsabilidade social desde sua chegada ao Brasil. A empresa estabeleceu um centro de intercâmbio em ciência e tecnologia no país, o primeiro de sua espécie fora da China. Para fomentar o diálogo, foi implementado o projeto “Estante Chinesa”, que oferece livros para a comunidade.
Além das oportunidades de estudo no exterior mencionadas anteriormente, a CRRC também organizou grupos de intercâmbio nas universidades locais. Em novembro de 2023, uma equipe de intercâmbio cultural, composta por representantes das subsidiárias da CRRC no Brasil, visitou a Universidade de São Paulo. Durante a visita, foi realizada uma palestra sobre ciência e tecnologia, na qual os alunos aprenderam sobre as regras naturais aplicadas ao funcionamento dos trens de alta velocidade. A atividade também incluiu a apresentação do modelo de trem “Fuxing”, que significa “revitalização” em português, uma série totalmente nacional com direitos de propriedade intelectual independentes. As palestras provocaram uma discussão acalorada entre os participantes do evento.
“Neste ano, celebramos os 50 anos do estabelecimento de relações diplomáticas e 31 anos da parceria estratégica. A CRRC continuará a participar ativamente da cooperação econômica entre a China e o Brasil, trazendo a sabedoria chinesa à construção de um sistema ferroviário. Nosso objetivo é servir ao povo brasileiro com um sistema férreo verde, inteligente, seguro, conveniente e moderno, que atenda às demandas de conforto durante as viagens e promova o desenvolvimento sustentável das ferrovias brasileiras de qualidade. Assim, esperamos contribuir para o aprofundamento das relações econômicas e comerciais entre os dois países”, afirma.
Da linha Jade à Rubi, da exportação de trens a soluções digitais DLS, e de fabricante a operador, a trajetória da CRRC no mercado brasileiro reflete o aprofundamento gradual da cooperação e do intercâmbio entre os dois países.
“No futuro, a CRRC da China explorará ativamente o alinhamento da Iniciativa Cinturão e Rota com os planos estratégicos brasileiros, tais como a Nova Indústria Brasil (NIB) e o novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), de modo que os frutos da cooperação não beneficiem apenas a população local, mas também apoiem a China e o Brasil a expandir novas áreas de cooperação,” concluiu o responsável da CRRC.
Este texto foi publicado originalmente na revista China Hoje. Clique aqui, inscreva-se na nossa comunidade, receba gratuitamente uma assinatura digital e tenha acesso ao conteúdo completo.
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