A condição básica para que a sociedade internacional possa preservar a paz e a segurança internacionais é o respeito ao princípio da soberania dos Estados. Deste princípio decorre muitos outros que estruturam o sistema de Estados e o direito internacional. Um deles é o princípio da não intervenção externa em assuntos internos que garante a cada país e seu povo o direito de se organizar politica e economicamente segundo seus valores e seus objetivos como nação, sem que haja a intromissão indevida de países estrangeiros. A única possibilidade de ocorrer uma intervenção externa em um país e que seja apoiada pelo direito internacional é aquela determinada pelo Conselho de Segurança da ONU onde a China é membro permanente.
Outro princípio basilar do direito internacional é aquele da integridade territorial. Todos os países possuem, em seu direito doméstico, regras e mecanismos institucionais que lhe garantam manter a unidade indissolúvel do seu território. Qualquer movimento separatista é sempre uma grave ameaça para a unidade territorial de um país. Recentemente, a Espanha teve que lidar com a tentativa da Catalunha de se tornar um Estado independente. Nenhum país do mundo se intrometeu nesta questão por considerar um problema eminentemente interno do governo espanhol.
Sendo assim, chama a atenção o fato dos Estados Unidos se sentirem à vontade para opinar sobre a soberania da China quando o assunto é Hong Kong. O artigo 1 da Lei Básica que rege a Região Administrativa Especial de Hong Kong(RAEHK) estabelece que esta região “é uma parte inalienável da República Popular da China”. Hong Kong é, indiscutivelmente, território chinês. O princípio “um país, dois sistemas” confere uma autonomia maior à RAEHK, mas não uma independência. Disto não resta dúvidas.
Tendo isto em conta, a decisão do governo chinês em submeter à Assembleia Popular Nacional uma lei sobre o estabelecimento e a melhoria do sistema legal e dos mecanismos de aplicação da RAEHK para salvaguardar a segurança nacional é uma prerrogativa soberana e compreensível sob o ponto de vista da integridade territorial. Além disso, a lei está em consonância com o artigo 23 da Lei Básica. De acordo com este dispositivo legal, a RAEHK deveria promulgar leis para proibir qualquer ato de traição, secessão, subversão contra o governo central da China ou para proibir organizações ou órgãos políticos estrangeiros de conduzir atividades políticas na Região. Tal regulação não foi feita até o momento.
Assim, o projeto de lei visa cobrir esta lacuna sem prejudicar a essência da RAEHK. Assim, o artigo 1 do projeto preserva o princípio “um país, dois sistemas”. Além disso, o artigo 3 atribui à RAEHK o dever de concluir a legislação de segurança nacional que estava prevista na Lei Básica da RAEHK e resguarda os poderes dos órgãos administrativos, legislativos e judiciários para punir os atos que ponham em risco a segurança nacional. A polêmica parece-me residir no artigo 4 que prevê: “Quando necessário, os órgãos nacionais de segurança relevantes do Governo Central criarão agências na RAEHK para cumprir os deveres relevantes de salvaguardar a segurança nacional de acordo com a lei.” Quando o assunto é a proteção da soberania e da integridade territorial do país, o dever de garanti-la é do Estado e não de uma outra unidade política que seja parte dele.
O futuro da RAEHK é um assunto que compete à população e ao governo de Hong Kong, bem como a todos os chineses e ao governo central da China. Este último vem respeitando a Lei Básica desde que reassumiu o exercício da soberania sobre esta parte de seu território em 1º de julho de 1997. Só haverá motivos para o governo central agir diferentemente se um Estado estrangeiro se imiscuir nesta relação de modo a violar o bom convício entre nações soberanas. Mas aí, sob o ponto de vista do direito internacional, a ação do governo chinês não seria contra o povo de Hong Kong, mas contra a intervenção estrangeira e em defesa de toda a China.
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