As Duas Sessões de 2025

Por Evandro Menezes de Carvalho*

No último dia 11 de março foi concluída a sessão da 14ª Assembleia Popular Nacional da China, o Poder Legislativo chinês, juntamente com a sessão do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, órgão consultivo sem poderes legiferantes. Por ocasião destas duas sessões, o Primeiro-Ministro do Conselho de Estado, Li Qiang, anunciou a meta de crescimento econômico em torno de 5%, uma inflação de preços de 2%, o objetivo de criar mais de 12 milhões de novos empregos urbanos e manter a taxa de desemprego em torno de 5,5%. Boas notícias para o povo chinês e, indiretamente, para a economia global.

Uma das prioridades do governo chinês é expandir o consumo, ainda em níveis considerado modestos. A recuperação do setor imobiliário com a queda no preço dos imóveis e a melhoria das vendas no varejo animam as projeções sobre a demanda do consumidor. O anúncio de subsídios para creches e para assistência médica, bem como a alocação de 300 bilhões de yuans dos títulos do tesouro para um programa de troca de bens de consumo, darão folga para o orçamento familiar. O governo quer, também, aumentar a capacidade produtiva da economia e mantê-la orientada para a exportação. A China se tornou uma potência industrial e suas fábricas produzem um terço dos bens manufaturados no mundo. No ano passado, o país exportou US$ 3,58 trilhões em bens e serviços, e importou US$ 2,59 trilhões. A China teve, assim, um inédito superávit de quase US$ 1 trilhão em sua balança comercial.

Alguns obstáculos pelo caminho estão mapeados pelo governo chinês. No plano interno, há os problemas da dívida de governos provinciais e municipais que levaram autoridades locais a adotarem uma fiscalização mais rigorosa sobre as empresas em busca de receitas para os cofres públicos. O rigor demasiado inibiu o setor privado e agora o governo central pede uma recalibragem desta relação. Afinal, como destacou o relatório de trabalho do Primeiro-Ministro, o país precisa fomentar indústrias emergentes e as indústrias do futuro, como biofabricação, tecnologia quântica, IA e tecnologia 6G. O encontro de Xi Jinping com os líderes das maiores empresas de tecnologia do país no mês de fevereiro passado foi uma mensagem eloquente da determinação do governo de desenvolver total sinergia com as empresas privadas chinesas para a revitalização da China e fazer frente à competição tecnológica com os EUA.

No plano internacional, o maior obstáculo vem justamente da política unilateralista e protecionista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tende a se intensificar. A política externa chinesa tem lidado com esta situação de maneira calculada ao adotar medidas de defesa comercial visando neutralizar os eventuais danos na sua economia e, sobretudo, sem inviabilizar o diálogo bilateral esperado entre Xi e Trump. Por outro lado, a sociedade chinesa está mais apta para lidar com as adversidades que vêm de fora do país. O caso do DeepSeek mostrou que as inúmeras restrições dos EUA ao acesso chinês a chips de IA de alta potência não esmoreceram a determinação dos chineses de superarem a concorrência. A intensa competição entre as empresas privadas na China e, também, entre as províncias na construção de clusters de IA, centros de robótica e biotecnologia, aumentaram o dinamismo do país, tornando a China um lugar de oportunidades para talentos.

A estratégia de “dupla circulação” introduzida em 2020 pelo Partido Comunista da China visando reequilibrar a economia do país priorizando o consumo doméstico tem se revelado exitosa. O país caminha para ser autossuficiente em setores-chave ao diversificar as fontes de suprimento, aumentar a participação do valor agregado nas exportações e fazer pleno uso da capacidade produtiva e de consumo de sua população. O governo tem, ainda, levado adiante o modelo de crescimento liderado pelas “novas forças produtivas de qualidade” – conceito-chave que aparece nas declarações oficiais desde 2023 e que marcou presença no relatório apresentado nesta sessão da 14ª Assembleia Popular Nacional. As novas forças produtivas inauguram uma era de inovação científica e tecnológica, aumentando a competitividade global da China.

Potência comercial, industrial e tecnológica, a China é fundamental para uma ordem internacional mais próspera e inclusiva, e deve ser compreendida tendo em conta a política externa do governo de Xi Jinping que defende a construção de uma comunidade global de futuro compartilhado. Os países do Sul Global sabem que, se quiserem prosperar, devem desenvolver mais parcerias com a China.

*Editor Executivo-Chefe da China Hoje, professor de direito internacional da UFF e da FGV.

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