Histórias de amor e arte para as crianças

A obra de Cao Wenxuan ganha projeção internacional com o Prêmio Hans Christian Andersen

Escritor de ficção infantil, Cao Wenxuan tornou-se o primeiro autor chinês a receber o Prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantil, na Feira do Livro Infantil de Bolonha.

Foi uma escolha unânime do júri. A presidente do júri, Patricia Aldana, em sua avaliação das obras de Cao elogiou a capacidade do autor de apontar em estilo poético instantes verdadeiramente difíceis da vida das crianças. Cao é conhecido nos círculos literários da China por sua insistência na pureza da literatura e sua ênfase no esteticismo em sua ficção. O prêmio de certo modo confirma a qualidade artística, a influência e o apelo da literatura chinesa.

Novo conceito

Desde que se tornou escritor na década de 1970, Cao Wenxuan sempre expressou em suas obras suas percepções literárias distintas. Em 1983, publicou a novela Uma Vaca sem Chifres. Seu conto O Velho Castelo foi publicado em 1985 com excelente acolhida, e venceu o Prêmio Literatura Juvenil como melhor obra do ano, concedido por um importante jornal chinês de literatura infantil. Seu romance Cabras não Comem Grama Celestial, publicado em 1991, firmou o status de Cao na área da literatura infantil. Sua criatividade floresceu no final da década de 1990, quando publicou uma trilogia sobre o tema do crescimento das crianças – A Casa de Palha, Telhado Vermelho e O Pássaro. As obras Concha de Abóbora e Bronze e Girassol foram publicadas na década de 2000.

Ao longo dos anos, Cao tem consistentemente colocado ênfase na estética da literatura. Sempre que conta uma história, seja ao delinear o caráter de um personagem, seja ao retratar um contexto social ou histórico, ou ao descrever uma vida, ele se esforça em apresentar valores positivos com os quais as crianças possam se identificar. Então elas podem de uma maneira abrangente estabelecer valores espirituais afirmativos.

Cao acredita que como as crianças são o futuro de uma nação, os escritores de literatura infantil constituem um dos fatores que moldam o que vem pela frente. Ele vê isso como “uma missão sagrada para escritores de ficção infantil”. Esse sentido de missão explica sua opção de criar livros para crianças que sejam puros e contenham um apelo estético, e seu desejo de inspirá-las com uma atitude positiva.

As histórias de Cao que retratam como as crianças crescem estão muitas vezes relacionadas com as suas experiências reais de vida em sua cidade natal durante a adolescência. Na sua visão, as qualidades de inocência e ingenuidade persistem por longo tempo na natureza humana. É por isso que ele se esforça para transmitir em suas obras as emoções universais e os valores espirituais inerentes a ela. As histórias de sua trilogia escrita na década de 1990 ainda comovem leitores hoje em dia. Como o mundo inevitavelmente muda, algumas obras literárias devem apresentar a nova realidade social às crianças conforme elas vão crescendo. Mas também se espera que a literatura, incluindo a ficção infantil, capte aquelas profundezas inerentes da natureza humana que nunca irão mudar.

Em suas obras, Cao expressa claramente os valores por meio dos quais é possível julgar o que é bom, mau, bonito e desprezível. Em vez de traçar retratos ambíguos, insiste em transmitir valores corretos aos jovens leitores de uma maneira direta. Em sua opinião, as crianças não têm a mesma capacidade dos adultos para diferenciar o que é bom do que é mau no mundo, e, portanto, precisam de orientação. Embora tal orientação às vezes seja evidente nas histórias infantis, as obras de Cao tornam isso mais claro, por exemplo, mostrando como um bom coração pode com frequência tornar mais leve uma vida difícil, e que as dores do crescimento estão entretecidas com a maravilha que é crescer. Firme em sua crença de que mesmo a vida mais humilde pode ser narrada em um estilo refinado e digno, Cao geralmente sublima as realidades de uma infância difícil em suas histórias.

Defensor há décadas do esteticismo, nesse sentido Cao alcança novos níveis em suas obras O Arroz Escasso e Bronze e Girassol. A primeira retrata com sutil pungência a bela paisagem do sul próxima à foz do rio Yangtze. Os sentimentos de dor visíveis nas entrelinhas dão testemunho do estilo refinado e contido de sua escrita. Uma dor ainda mais profunda está sob a superfície de Bronze e Girassol, apesar de suas descrições sem concessões.

O crítico literário e professor Xie Mian destacou a consistência de Cao em sustentar uma fé sólida na literatura e em levar a sério o que ele mesmo prega, independentemente das mudanças nas tendências literárias. “Com esforço e persistência, o escritor que esposa a filosofia do esteticismo fica sob o constante desafio autoimposto de alcançar níveis cada vez mais altos”, afirma Xie. “Hoje, um escritor como ele tem pelo menos colhido o merecido aplauso por suas décadas de trabalho diligente. Além disso, o Prêmio Hans Christian Andersen pode ser visto como um prêmio para a literatura chinesa como um todo.”

Um fogo suave tem aroma doce

O romance mais recente de Cao, Os Olhos da Libélula, conta a história de uma família de Xangai. Du Meixi, filho do dono de uma fábrica de seda de Xangai, conhece uma francesa com a qual se casa em Marselha, em 1925. O casal volta a Xangai durante a Segunda Guerra Mundial. Construído principalmente sobre a vida de sua neta, A Mei, o romance mostra a solidariedade da família do ponto de vista da criança contra o pano de fundo da radical mudança social ocorrida durante as décadas de 1960 e 1970.

Ao contrário de suas histórias anteriores, que com frequência transcorrem na área rural de sua cidade natal na província de Jiangsu, Leste do país, Os Olhos da Libélula mostra a vida em uma metrópole exótica e fascinante. Prova a capacidade de Cao em contar tão bem histórias urbanas como histórias da vida rural. Apesar de um histórico diferente, a última obra de Cao preserva seu estilo caracteristicamente artístico e autêntico, com seus vislumbres de humanidade em meio às situações mais difíceis.

Cao alimentou interiormente o enredo de Os Olhos da Libélula durante vinte anos, antes de conseguir escrever o livro. Este tem origem na comovente história que uma amiga lhe contou muitos anos atrás, sobre a família dela em Xangai. Ele ficou profundamente tocado com isso, mas não teve pressa em escrever o romance. Aqueles que conhecem Cao e a maneira que ele tem de trabalhar sabem que às vezes ele pode levar décadas para conceber mentalmente a estrutura, o enredo e o estilo linguístico de uma obra. Mas depois que começa, Cao escreve em um ritmo fenomenal.

O trabalho concreto de escrever os 220 mil toques do romance Os Olhos da Libélula custou a Cao apenas dois meses e meio. Perfeccionista, Cao revisou o trabalho duas vezes, detendo-se meticulosamente nos detalhes. Apesar de se passarem ainda mais sete anos até que a obra fosse concluída, o editor de Cao tinha consciência de que ele é um escritor que preza muito sua reputação e, portanto, precisa estar bem seguro de que qualquer obra dele esteja de fato terminada. Este é o princípio que Cao tem seguido desde que se tornou escritor.

Prestígio global

Cao foi também apresentado na Feira do Livro Infantil de Bolonha com a recém-publicada tradução para o sérvio de A Casa de Palha. Este projeto de cooperação remonta à Feira do Livro de Belgrado de 2014, que a China patrocinou. Um publisher sérvio demonstrou grande interesse pelo livro depois de Cao tê-lo mencionado no evento. O programa de cooperação correu sem sobressaltos e a tradução foi concluída em apenas um ano e meio. Até o momento, as obras de Cao foram traduzidas para mais de 40 línguas.

Outro dado importante é que Cao é o escritor chinês de ficção infantil que cooperou com maior frequência com ilustradores estrangeiros. A combinação de histórias chinesas com modos internacionais de expressão visual encantou leitores jovens do mundo inteiro.

Ao trabalhar com ilustradores estrangeiros, as editoras geralmente fornecem esboços. Depois que estudam os esboços e as linhas gerais da história, os ilustradores passam ao trabalho de ilustração propriamente dito. Suas ilustrações às vezes acrescentam grande brilho ao livro. Por exemplo, o livro de Cao Para onde foram Xiaoye e seu pai conta a história de um garoto, órfão de mãe, e do pai dele, cuja pobreza o obriga a pegar trigo emprestado dos outros. Em uma ilustração, a ilustradora italiana Eva Montanari retratou a Lua com o rosto da mãe do garoto, embora isso não estivesse no livro. Cao elogiou esse toque significativo da parte de Montanari como algo inspirado pela imaginação e pelo insight.

Ilustração de Eva Montanari para o livro Para onde foram Xiaoye e seu pai.

Zhang Yuntao, vice-editora da Day-light Publishing House, acredita que a cooperação com ilustradores estrangeiros pode demonstrar aos editores chineses o quanto suas contrapartes estrangeiras têm respeito pelos livros com ilustrações. “No nosso entender, as ilustrações não são simples embelezamentos, mas um complemento importante da história”, afirma Zhang. Além disso, os editores chineses com frequência duvidam que as histórias locais possam ter apelo para leitores do resto do mundo. Mas por meio de suas colaborações com editoras internacionais, Zhang concluiu que editores estrangeiros estão de fato interessados em trazer para os seus leitores relatos da vida de crianças de outros países. “E as histórias com características chinesas são as mais valorizadas”, concluiu ela.

Principais obras

1983: Uma Vaca sem Chifres 
1985: Velhas Paredes 
1988: Uma Casinha Enterrada na Neve 
1991: Cabras não Comem Grama Celestial 
1997: A Casa de Palha 
1998: Telhado Vermelho 
1999: O Pássaro
2003: O Arroz Escasso 
2005: Concha de Abóbora 
2005: Bronze e Girassol
2007: Dawang Tome: As Telhas Âmbar 
2008: Dawang Tome: A Lanterna Vermelha 
2012: Dingding e Dangdang
2014: Fenglindu
2015: Cicatriz
2016: Os Olhos da Libélula 

Cao Wenxuan  também publicou várias coleções, como Neblina Cobria o Velho Castelo, A Vaca Tonta, O Campo Azul, A Cerca Verde, E a Noite Caiu sobre o Templo Ancestral, A Abóbora Vermelha, O Vale das Rosas, assim como obras acadêmicas, como pesquisas sobre a literatura chinesa da década de 1980 e do final do século 20 e uma interpretação filosófica da literatura e da arte, entre outras. No Brasil,  Cao continua inédito. É possivel encontrar Bronze e Girassol (em inglês) nos sites das grandes livrarias nacionais e internacionais.

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