Mais parceiros do que nunca

Brasil já é o segundo maior destino de investimentos da China. Commodities selam relação sino-brasileira
(Reportagem de João Marcos Rainho)

A China já investiu R$ 60 bilhões na compra de empresas no Brasil desde 2015. Segundo a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), os chineses devem desembolsar, ainda este ano, mais de US$ 20 bilhões na compra de ativos no país – volume 68% superior ao de 2016. A robustez desse movimento transformou o Brasil no segundo maior destino de investimentos chineses na área de infraestrutura no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Na lista de companhias que planejam desembarcar no Brasil, de olho especialmente nos setores de energia, transporte e agronegócio, estão a China Southern Power Grid, a Huaneng, a Huadian, a Shangai Electric e a Guoudian.
No setor financeiro, a presença de instituições chinesas no Brasil tem ganhado relevância nos últimos anos. Além de representações dos maiores bancos chineses (todos estatais: o Banco de Desenvolvimento da China – CDB), Banco da China – BOC, o Banco Industrial e Comercial da China – ICBC e o Construction Bank – CCB, além do EximBank China), tem ocorrido, também, aumento da presença no Brasil de bancos privados e fundos de investimento (Haitong, Banco de Comunicações da China, Fosun).

Aquisições – Segundo estimativas apuradas pelo Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), de 2015 para cá, os chineses compraram 21 empresas brasileiras, que somaram juntas cerca de US$ 21 bilhões. A China Merchants Port Holdings Co Ltd, por exemplo, comprou 90% da operadora de instalações portuárias brasileiras TCP Participações, com sede em Curitiba, por R$ 2,9 bilhões. Nessa conta do governo não entrou a recente aquisição da SPIC Pacific Energy (uma das cinco maiores geradoras de energia chinesas), que arrematou em leilão por R$ 6,74 bilhão a hidrelétrica São Simão da Cemig (MG).

Nos próximos meses, vários negócios em andamento poderão ser concluídos, como no caso da Shanghai Electric, que estuda assumir projetos de transmissão elétrica. Outro destaque fica por conta da CCCC, que tem interesse em diversos ativos, entre construtoras e ferrovias. A Pengxin também avalia novos investimentos agrícolas no Brasil. Sem contar aquisição de empresas internacionais com negócios no Brasil, caso da Pirelli e do aplicativo para transporte 99.
Com tudo isso a China adquire crescente relevância na economia brasileira. Nos últimos anos, os investimentos chineses no país têm passado por diferentes fases. Num primeiro momento, o IED (Investimento Estrangeiro Direto) chinês concentrou-se em setores mais relevantes da pauta de importações chinesa, como energia, mineração e commodities.

Em um segundo momento, verificou-se o aumento da participação chinesa em áreas como comunicações, eletrônicos, máquinas e equipamentos. Apareceram igualmente companhias com pouca ou quase nenhuma experiência no mercado externo e algumas delas – incluindo o setor automobilístico – enfrentaram dificuldades no Brasil pela falta de orientação adequada de como funcionava o mercado nacional.

 

Oportunidades para brasileiros

Com seu mercado consumidor de mais de 1,3 bilhão de habitantes, a China terá demanda cada vez maior pelos produtos brasileiros, pois, na avaliação do embaixador brasileiro em Pequim, Marcos Caramuru, estão melhorando as condições de vida da população e aumentando a renda per capita.
A pauta exportadora do Brasil para o mercado chinês concentra-se em proteína animal, grãos, minério de ferro, polpa e celulose. “A China não é nosso concorrente, [o país] é nosso grande comprador”, afirmou Caramuru. “No ano passado, o Brasil exportou 80% de todo o frango importado pela China e foi de longe o maior exportador de carne bovina. Também exportou em torno de 60% da soja importada pela China.”
O número de empresas brasileiras na China ainda é pouco significativo, na avaliação do Itamaraty, uma vez que os investimentos estrangeiros diretos enfrentam algumas dificuldades específicas do mercado chinês, em geral relacionadas à forte regulação de setores estratégicos pelo governo, o que inclui muitas vezes a obrigatoriedade de operar com parcerias locais. Empresas brasileiras estão presentes na China em setores como mineração (Vale), cimento (Votorantim), financeiro (Itau), bebidas (AB Inbev), alimentos (BRFoods, Marfrig, Burguer King – controlada pelo fundo de investimento brasileiro 3G Capital), motores (Weg e Embraco), autopeças (Maxion, Marcopolo e Fras-Le) e calçados (Bibi). Ademais, diversas empresas brasileiras contam com escritórios de representação no país, como a Suzano (papel e celulose), Queiroz Galvão e Odebrecht (construção civil), a Tramontina (utilidades domésticas), a Soprano (metalurgia hidráulica), a Oxiteno (solventes), a Petrobras, entre outras.

Mais recentemente, num movimento considerado pelo Ministério das Relações Exteriores como a terceira onda de investimentos chineses no Brasil, mais estruturado que os anteriores em termos de assessoria financeira e jurídica, nota-se forte interesse em segmentos de infraestrutura (transmissão e geração de energia) e serviços, a exemplo do setor financeiro e de Tecnologia da Informação, bem como crescente participação do setor privado nos investimentos.

O Conselho Empresarial Brasil-China – CEBC concorda com essa avaliação, destacando que a presença de empresas chinesas no país é crescente e se deu, inicialmente e, principalmente, na abertura de filiais, com a presença de empresas importantes em diversos segmentos, e das aquisições de negócios ligados ao segmento de commodities e de energia. Agora, os segmentos industrial e financeiro ganharam relevância, como companhias do setor automotivo, eletrodomésticos, máquinas pesadas e os principais bancos chineses, além de grupos de telefonia e de energia.

Por que tamanho interesse da China pelo Brasil? Em busca de uma resposta, Tulio Cariello, coordenador de análise e pesquisa do CEBC, diz que há inúmeras razões para esse movimento. “Primeiramente, sob uma ótica pragmática, o quadro recente das políticas econômicas do país favorece a entrada de empresas chinesas, que percebem um panorama atrativo para investimentos no Brasil.” E acrescenta: “Esse interesse se manifesta, dentre outros fatores, devido à desvalorização relativa do real, ao certo grau de desenvolvimento da indústria nacional, ao mercado consumidor emergente e à própria escala da economia brasileira, que em, contexto regional, é relativamente mais desenvolvida do que a maioria dos países vizinhos. Além disso, mais recentemente, o movimento favorável a privatizações do governo brasileiro sem dúvida chama ainda mais a atenção de possíveis investidores chineses, vide a recente visita de Estado feita por Temer à China (leia no box), na qual foram assinados diversos acordos bilaterais, privados e públicos”.

Tulio complementa dizendo que “cabe mencionar também que o interesse da China em investir no Brasil não é um caso isolado, uma vez que está em curso um processo de going global de inúmeras empresas chinesas, que vêm demonstrando grande apetite em entrar em mercados estrangeiros, seja por meio de investimentos greenfield, joint-ventures e, sobretudo, projetos de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês). No Brasil, por exemplo, pouco mais da metade dos investimentos chineses realizados no ano passado foram feitos via M&A”. Nesse sentido, o Conselho Empresarial Brasil-China indica em seus estudos que os investimentos chineses no país já se fazem presentes em setores muito diversificados, que vão desde o agronegócio até investimentos na área de aviação ou grandes projetos de infraestrutura energética. De acordo com a Dealogic, consultoria baseada em Londres, no acumulado do ano até 17 de abril, fusões e aquisições chinesas no Brasil somaram US$ 5,67 bilhões.

Sob uma ótica geopolítica, pode-se pensar também que para a China é interessante ter no Brasil um ponto focal na América Latina, dado que em termos políticos e econômicos o país tem grande peso na agenda regional. Além disso, há também a hipótese de “ocupação de espaços”. Na história recente do Brasil e da América Latina, os Estados Unidos por muito tempo tiveram grande interesse na região, sobretudo em um contexto de Guerra Fria. No entanto, passada a urgência gerada por essas tensões ideológicas e o surgimento de novos tópicos na agenda internacional, houve relativo afastamento de Washington em relação à região. “Hoje”, comenta o pesquisador do CEBC, “a política externa americana está muito mais centrada em questões como o combate ao terrorismo, tensões no Mar do Sul da China e a instabilidade gerada pelo programa nuclear da Coreia do Norte. Dessa forma, há sem dúvida a abertura para maior influência de outras potências na região, como tem sido visto com o avanço da agenda de investimentos da China no Brasil.”

Turbulência econômica não preocupa – Nem a desaceleração econômica brasileira impede os novos projetos, pois os investidores chineses parecem ter guiado sua atuação a partir da perspectiva de longo prazo. De forma geral, ainda que os investimentos feitos pelos chineses sejam diversificados, desde 2012 os mais vultosos têm se concentrado no setor de energia, sobretudo infraestrutura energética. Gigantes como China Three Gorges e State Grid têm investido massivamente no país, marcadamente por meio da aquisição de ativos já maduros em solo brasileiro. A título de comparação, em 2016, o valor dos investimentos feitos na área de energia foi mais do que o dobro da soma de todos os investimentos realizados em outras áreas.

Em 2016 os investimentos chineses anunciados no Brasil chegaram a US$ 12,5 bilhões, dos quais US$ 8,39 bilhões foram confirmados pela apuração do CEBC. Tulio é prudente ao tentar prever um valor exato para 2017, “mas com o movimento pró-privatização do governo Temer e a quantidade de anúncios feitos ao longo deste ano, sobretudo de investimentos volumosos de grandes empresas como China Three Gorges, State Grid e CCCC, é provável que o valor final supere o do ano passado”.

As perspectivas futuras devem seguir nessa direção, admite Tulio Cariello, “visto que já em 2017 temos observado um novo impulso dado por essas grandes empresas chinesas do setor energético. Mais do que isso, creio que há grande interesse por parte dos chineses em investir em infraestrutura de forma geral, o que beneficiaria o volumoso comércio bilateral, mas fatores internos brasileiros como a falta de clareza de um marco regulatório podem prejudicar a entrada de grandes projetos”.

Trajetória – Brasil e China aproximaram-se economicamente no período mais contemporâneo da história a partir de 1974 quando embaixadas de ambos os países foram reabertas. Mas as coisas esquentaram desde a visita oficial então presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva à China em 2009 com 450 representantes de empresas nacionais – um mês depois de a China ter se tornado o principal parceiro comercial do Brasil. O presidente da China, Xi Jinping, retribuiu a visita cinco anos depois, no governo Dilma, celebrando 40 anos de relações diplomáticas, e assinaram acordos de cooperação em diferentes áreas.

Prefeitos querem participar

Os municípios também estão na rota de investimentos chineses. Diversos prefeitos brasileiros viajaram à China para conhecer inovações na administração pública e atrair capital estrangeiro. Além disso a China tem colaborado financeiramente com várias administrações. João Doria, prefeito de São Paulo, esteve nas metrópoles Pequim, Xangai, Hangzhou e Shenzhen a convite do governo chinês e da Câmara do Comércio Brasil-China. O gestor paulistano conseguiu a doação de quatro veículos elétricos, 4 mil câmeras de vigilância, drones, painéis solares para hospitais e outros presentes para a cidade avaliados em R$ 10 milhões. O prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, foi outro que desembarcou em Pequim, com objetivo de atrair negócios na área de turismo e saúde. Voltou com um empréstimo de US$ 644 milhões do NDB (New Development Bank). Os chineses planejam ainda investir R$ 32 bilhões na cidade do Rio de Janeiro – a privatização da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto), Angra 3 e venda da Light são alguns projetos. Outros municípios menores também contam com apoios chineses. Guarujá (SP) anunciou parcerias em turismo e negócios portuários. “A China tem interesse em construir em nossa cidade um entreposto de mercadorias exportadas para nosso país”, comunica Thais Margarida, secretária de Turismo do Guarujá. A cidade litorânea paulista estabeleceu uma irmandade com o município chinês Xiamen, o que deve fomentar o turismo bilateral.

O último encontro com agenda governamental e empresarial foi em agosto, quando o presidente Michel Temer desembarcou em Pequim para reuniões com o colega Xi Jinping e investidores chineses antes de participar da 9ª cúpula do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no mês seguinte. Foram firmados 14 acordos governamentais e empresariais.

Durante seminário empresarial em Xangai, foram assinadas a venda de dois jatos Phenom 300, da Embraer, para a companhia Colorful Yunnan, e de cinco jatos E190 para a Colorful Guizhou Airlines.
Outra empresa chinesa, a State Grid, assinou acordo para comprar fatia de 23% da participação da Camargo Correa S.A. na CPFL Energia. A transação é estimada em US$ 1,83 bilhão (R$ 5,92 bilhões). Outro acordo de aquisição foi o de 50,1% da sociedade de investimentos Rio Bravo pelo grupo Fosun.

O grupo WTorre formalizou um acordo com a China Communications and Construction Company International (CCCC) para um investimento de R$ 1,5 bilhão em um terminal multicargas na região de São Luís (MA). A CCCC também anunciou parceria com o Banco Modal, para atuar como assessora financeira da empresa em projetos e investimentos na área de infraestrutura no Brasil. Também no Maranhão, foi assinado um investimento de US$ 3 bilhões entre o governo estadual e a empresa CBSteel para a construção de uma siderurgia na cidade de Bacabeira. A iniciativa deve gerar em torno de 5 mil empregos.

O embaixador brasileiro em Pequim, Marcos Caramuru, classifica de “dinâmica” a relação bilateral entre Brasil e China e ressalta que o comércio e os investimentos entre os dois países estão em franca ascensão. “Nos quatro primeiros meses do ano, o superávit com a China foi responsável por mais de 40% do nosso superávit comercial. Somos um dos poucos países que têm superávit com a China. O comércio se beneficiou da maior propensão a comprar dos chineses e do fato de os preços das commodities agrícolas e minerais terem aumentado muito”, disse o diplomata.

Para Caramuru, os projetos brasileiros de concessão em infraestrutura continuarão atraindo as empresas chinesas. “Os chineses têm grande capacidade de participar de licitações e serem vitoriosos por terem acesso a financiamento e uma expertise imensa em infraestrutura.” O diplomata lembra que antes as instituições financeiras chinesas se instalavam no país trazendo pessoal e modelo de gestão e esse cenário começou a mudar ao operarem em conjunto com administradores brasileiros. “Vejo a dinâmica das relações muito viva. Isso é uma coisa importante. Reflete uma melhor compreensão dos chineses sobre a nossa realidade. É um sinal de amadurecimento muito grande”, completou.

Uma pauta rica e diversificada

De cinema a energia nuclear, de comércio eletrônico ao futebol, os acordos de cooperação recém-assinados apontam para uma parceria cada vez mais diversificada

I Acordo entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Popular da China sobre a facilitação de vistos de turista;

II Emenda ao acordo entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Popular da China sobre facilitação de vistos de negócios;

III Acordo de coprodução cinematográfica entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Popular da China;

IV Memorando de entendimento sobre comércio eletrônico entre o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços da República Federativa do Brasil e o Ministério do Comércio da República Popular da China;

V Plano de ação entre o Ministério da Saúde da República Federativa do Brasil e a Comissão Nacional de Saúde e de Planejamento Familiar da República Popular da China na área da saúde para o período de 2018-2020;

VI Memorando de entendimento entre a Administração Geral de Supervisão de Qualidade, Inspeção e Quarentena da República Popular da China e o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) da República Federativa do Brasil e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia da República Federativa do Brasil;

VII Memorando de entendimento entre o governo da Bahia e a CREC sobre o Projeto Bamin-Fiol-Porto do Sul;

VIII Licenciamento da fase 2 da usina de Belo Monte – transmissão de alta tensão no trecho Xingu-Rio de Janeiro entre o Ministério de Minas e Energia e a State Grid;

IX Draft de acordo entre o Eximbank e o Banco do Brasil para abertura de crédito de US$ 300 milhões;

X Memorando de entendimento entre a CBF e a CFA sobre cooperação em futebol;

XI Memorando de entendimento entre a Eletrobras e a China National Nuclear Corporation para continuidade da construção de Angra 3;

XII Acordo-quadro entre o BNDES e a Sinosure para prestação de garantias a investidores chineses no Brasil;

XIII Acordo entre o BNDES e o China Development Bank (CDB) para aprofundamento da cooperação estratégica para definição de parâmetros para estabelecimento de futura linha de crédito no valor de US$ 3 bilhões;

XIV Contrato de financiamento da China Communication and Construction Company (CCCC) para construção do terminal de uso privado no porto de São Luís, com investimento no valor de US$ 700 milhões;

XV Termo de ratificação dos acordos para implantação do parque siderúrgico entre o governo do estado do Maranhão e a CBSTEEL;

XVI Memorando de entendimento entre o Banco do Brasil e o Industrial Commercial Bank of China (ICBC);XVII Protocolo de intenções entre a Itaipu e a China Three Gorges Corporation;

XVIII Memorando de entendimento entre o Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura (ANESSA) e a China Communication Construction Company (CCCC), para a aquisição do TGB (Santa Catarina);

XIX Acordo de cooperação estratégica abrangente entre a Petrobras e o China Development Bank (CDB);

XX Memorando de entendimento entre a Embaixada da República Federativa do Brasil na China, o Museu Minsheng de Pequim, e Currents Art & Music sobre a exposição Troposphere de arte contemporânea sino-brasileira;

XXI Memorando de entendimento entre a Embaixada da República Federativa do Brasil na China e China Film Croup Corporation sobre importação, distribuição e promoção do filme “Nise: o coração da loucura”;

XXII Memorando de entendimento entre a Confederação Brasileira de Futebol e a Kingdomway Sports com o objetivo de estabelecer as bases iniciais para possível parceria referente à internacionalização do futebol brasileiro.

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