“O Cinturão e Rota” na América Latina e o Brasil

No mês de abril passado pude participar, em Beijing, da inauguração do Belt and Road Studies Network (BRSN), um empreendimento do Instituto Xinhua e mais quinze think tanks, que tem o objetivo de promover estudos e intercâmbios acadêmicos sobre a iniciativa Cinturão e Rota. O evento ocorreu uma semana antes do 2º Fórum do Cinturão e Rota para a Cooperação Internacional que teve lugar também na capital chinesa e que reuniu 37 chefes de estado e de governo, além de diversas organizações internacionais. Foi, para mim, uma oportunidade para entender melhor o alcance e a importância da iniciativa, bem como a disposição do governo chinês de promovê-la de maneira aberta ao diálogo.

A expressão “Cinturão e Rota” é a forma abreviada do Cinturão Econômico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima do Século 21. Ambas as iniciativas foram propostas por Xi Jinping durante a sua visita à Ásia Central e ao Sudeste Asiático, no fim de 2013, e visam criar um equivalente do século XXI da antiga Rota da Seda que data de mais de 2000 anos atrás e que conectava, através de diversas rotas comerciais e trocas culturais, as principais civilizações da Ásia, Europa e África. Mas agora os tempos são outros e a evolução tecnológica pode fazer nascer uma nova rota global da seda.

Em janeiro de 2018, por ocasião da Segunda Reunião Ministerial do Fórum China-América Latina e Caribe (Fórum China-CELAC), no Chile, o presidente chinês Xi Jinping enviou mensagem convidando os países latino-americanos a participarem ativamente do Cinturão e Rota. Na ocasião, aprovou-se a Declaração Especial sobre a Iniciativa do Cinturão e Rota. Nela, a China “considera que os países da América Latina e do Caribe são partes da extensão natural da Rota Marítima da Seda e são participantes indispensáveis na cooperação internacional do Cinturão e Rota”. Esta afirmação converge com a realidade dos fatos. Afinal, a China já é o primeiro ou segundo maior parceiro comercial da maioria dos países da América Latina e um dos maiores investidores na região.

Mas se a China tem uma estratégia de cooperação abrangente para a América Latina, o mesmo não se pode dizer desta região em relação à China. A quantidade e a diversidade de interesses dos países latinos e caribenhos dificultam a elaboração de uma proposta comum de cooperação que propicie o desenvolvimento integrado da região. O crescimento econômico baixo, agravado por contextos internos de instabilidade política em alguns países, aumenta a desagregação da região. Diante deste cenário, a iniciativa Cinturão e Rota pode encontrar um caminho promissor se se concentrar, numa fase inicial, na relação com países estratégicos com os quais a China tem substantivas relações comerciais e de investimentos. É o caso do Brasil. Parte significativa dos investimentos chineses para a América Latina tem o Brasil como destino. Ademais, ambos os países são integrantes do BRICS, membros do Novo Banco de Desenvolvimento e o Brasil é, também, membro prospectivo fundador do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII) que tem um papel relevante no financiamento dos projetos do Cinturão e Rota.

A política externa chinesa encara a América Latina e o Caribe como um grande bloco a ser articulado por uma infraestrutura intercontinental. E o Brasil, pela sua extensão territorial e pelo peso de sua economia, é um país fundamental na região. Podemos estar geograficamente fora do mapa original do Cinturão e Rota, mas estamos com ele conectados diante da presença de significativos investimentos e comércio chineses no Brasil. Em outras palavras, se uma “nova Rota da Seda” pode ser visto como um conceito distante para nós, os negócios com os chineses, contrariamente, são uma realidade muito concreta. E, desde este ponto de vista, pode-se dizer que estamos inseridos no Cinturão e Rota.

Até o momento, mais de 126 países e 29 organizações internacionais assinaram um total de 174 documentos sobre o Cinturão e Rota com a China. Um projeto desta magnitude promove a integração econômica, mas em bases diferentes dos modelos que predominaram na segunda metade do século passado, e seus princípios de construção conjunta e as prioridades na cooperação tem o potencial de ser ampliado para a América Latina.

No discurso que proferiu na cerimônia de abertura do 1º Fórum Cinturão e Rota de Cooperação Internacional, o presidente Xi Jinping disse que tal iniciativa não estaria inventando a roda. De fato, há inúmeros outros modelos de cooperação econômica existentes no mundo, bem como na América Latina. Mas se a China não está reinventando a roda, ao menos está fazendo-a girar. Em um mundo onde emerge forças unilateralistas e pouco comprometidas com o multilateralismo, o Cinturão e Rota é uma iniciativa muito bem-vinda.

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