Ampliação e institucionalização do BRICS: um caminho desejável

Os BRICS têm assumido uma posição ativa na defesa do multilateralismo e da reforma das organizações internacionais desde o seu surgimento. Em todas as Declarações emitidas ao final de cada Cúpula, os cinco países defendem a necessidade de reforma do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas. Nesta 14ª Cúpula, incluíram a reforma da Organização Mundial do Comércio. Esta agenda reformista não se limita à reivindicação de maior participação nas organizações internacionais existentes. Os BRICS criaram o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), em 2014, evidenciando a disposição política do grupo dos cinco países para uma atuação mais propositiva no âmbito da governança econômica e financeira internacional. Nos últimos 12 anos, o Banco aprovou mais de 80 projetos de financiamento. A adesão dos Emirados Árabes Unidos e de Bangladesh, em 2021, bem como a admissão de Egito e Uruguai como membros prospectivos do NBD, revelam que o Banco dos BRICS ganhou vida própria.

A agenda dos BRICS tornou-se ampla e coleciona uma série de iniciativas concretas que abrangem assuntos econômicos, de paz e segurança, saúde pública, intercâmbio cultural, desenvolvimento sustentável, dentre outros. A cada Cúpula, mais iniciativas são propostas. Na 14ª Cúpula deste ano os temas relativos à tecnologia e economia digital ganharam destaque. Iniciativas como o Digital BRICS Forum, BRICS Forum on Development of Industrial Internet and Digital Manufacturing, BRICS Forum on Big Data for Sustainable Development e os BRICS Startup Events poderão impulsionar a inovação, a recuperação da economia global e contribuir para tornar o ambiente digital mais seguro.

Mas o assunto que chamou a atenção nesta 14ª Cúpula foi o da ampliação dos BRICS. Não se trata de um tema novo. Afinal, em 2017 a China havia se manifestado favoravelmente à redefinição dos contornos dos BRICS para incluir outras grandes economias em desenvolvimento. O objetivo da China era (e continua sendo) transformar o grupo em uma plataforma mais influente para a cooperação Sul-Sul. Esta proposta ficou conhecida como “BRICS-Plus”. Naquele ano, nenhum convite havia sido feito a qualquer país e tampouco houve pedido de adesão por um outro Estado. Como o BRICS não é uma organização internacional, não havia (como continua não havendo) nenhum procedimento formal de adesão para novos membros.

A proposta de ampliação dos BRICS é compreensível tanto do ponto vista econômico como político. Os BRICS contam com 42% da população mundial e um PIB de US$ 24 trilhões (valores de 2021), correspondendo a 26% do PIB global. Hoje, qualquer decisão internacional tomada sem a participação dos BRICS estaria excluindo quase a metade da população do mundo. Com esta representatividade, os BRICS são uma voz essencial e legítima para tratar de toda e qualquer questão que tenha impacto global. A inclusão de novos membros aumentará a relevância econômica do grupo e, sobretudo, a sua legitimidade na defesa da reforma da ordem internacional.

Em 27 de junho os BRICS receberam dois pedidos de adesão, da Argentina e do Irã. O pedido que destaco aqui é o da Argentina, que participou da Cúpula deste ano a convite da China. Desde 2017 o Brasil vem reagindo com cautela quanto à proposta de ampliação do grupo e advoga que se discutam critérios para a admissão de novos membros. Pessoalmente, entendo que o ingresso da Argentina no BRICS fortalecerá a relação do Brasil com seu país vizinho, com quem tem laços históricos de amizade e cooperação, e dará uma nova dinâmica à política externa dos dois países no âmbito da América do Sul. Não se pode esquecer que China, Rússia e Índia estão no mesmo continente e o BRICS tem sido um fórum de diálogo e aprofundamento das relações entre eles.

O impasse atual sobre a ampliação do BRICS é a ocasião para se debater, também, a efetiva institucionalização do grupo. Os críticos desta proposta dirão que a institucionalização burocratizará o BRICS, criará despesas financeiras adicionais, e que o fato de ser um foro informal é o que dá maior flexibilidade para a cooperação entre os países do grupo. Tais argumentos faziam muito sentido nos anos iniciais do BRICS quando os projetos comuns eram incipientes e até se duvidava sobre a capacidade dos cinco grandes elaborarem projetos comuns. Mas hoje, pela quantidade de iniciativas em andamento ou a serem implementadas, seria desejável, no mínimo, uma coordenação administrativa. O BRICS não tem sequer um website oficial para o qual qualquer cidadão dos cinco países possa recorrer a fim de ter acesso a dados e informações oficiais sobre todas as iniciativas do grupo. A institucionalização do BRICS é importante não só para a boa gestão e transparência das inúmeras iniciativas do grupo, é também fundamental para garantir a estabilidade e permanência desta plataforma em um mundo com muitos desafios pela frente.

 

Evandro Menezes de Carvalho é editor-chefe da Revista China Hoje. Professor de direito internacional e coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio e da Universidade Federal Fluminense. Foi Senior Scholar da Universidade de Xangai de Finanças e Economia e Visiting Researcher na Universidade Fudan, Xangai. É consultor do China Desk do Veirano Advogados. E-mail: evandro.carvalho@fgv.br

11 respostas para “Ampliação e institucionalização do BRICS: um caminho desejável”

  1. boa tarde PARABÉNS DEUS ABENÇOA CADA DIA

  2. A china é o país com maior potencial para encabeçar a liderança mundial nos anos vindouros. Na verdade, a china já é o maior país do mundo do ponto de vista produtivo, comercial e tecnológico. Que esses esforços sejam sempre a favor da paz e do diálogo, pra que a liderança chinesa não se assemelhe aos erros dos imperialistas norte-americanos.

  3. Apoio irrestrito à ampliação do BRICS, a começar pela inclusão da Argentina!!

  4. Os BRICS são uma organização essencial e imprescindível, na construção e operacionalização de um Novo Mundo multipolar e inclusivo. Mundo esse estático conceitualmente, desde o término da 2ª guerra mundial

  5. Será fundamental na construção do BRICS relacionar os países que o constituem considerando as culturas desses povos, tanto ancestral quanto contemporianamente, pois é evidente que essa relação entre os seus habitantes comuns e a produção cultural de todos será ferramenta indispensável no novo mundo integrado que se almeja. As trocas comerciais deverão incluir as pessoas detentoras do saber e do fazer arte e que, por isso, balizam as demais relações sociais e culturais dos países membros.

  6. Mas, e as atitudes dos EUA com o governo de Taiwan?
    Aberta uma “” frente”” de guerra na Europa, com a Rússia parece que os olhos do que chamo “” XERIFE DO MUNDO ” visam agora provocar uma guerra com a CHINA
    Uma.estrategia que enfraquecera a economia destes 2 membros, refletindo no BRICS como um todo.
    Também penso que a DERRUBADA DA DILMA muito mais do que a tomada do nosso petróleo tenha ocorrido para ir retirando o Brasil do Brica.

  7. No Brasil, dado os últimos 6 anos de uma política externa atrapalhada, a cooperação Sul x Sul foi tratada como irrelevante ou até mesmo inoportuna. Não há nenhuma informação para sociedade civil, como bem observado em seu texto.
    Porém, essa geopolítica poder e deverá ser realinhada com a mudança de governo em outubro próximo.
    Um mundo multipolar real, só surgirá com a consolidação de novos centros de poder.
    Acredito que os Bric’s Plus é uma estratégia de fortalecimento do grupo, e quem sabe, um passo importante pra transitar de sua condição de fórum informal para um escalonamento rumo à institucionalização. Parabéns pelo artigo!

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